A glória política é efêmera. Como dizia Malherbe das rosas, vivem o espaço de uma manhã. Ela vive de instantes, de uma atitude, de um discurso, de um gesto e logo cai no domínio do esquecimento. Para citar um exemplo maior, veja-se a imagem do Winston Churchill, que é muito mais lembrado pelo anedotário dos seus apartes, do que como o extraordinário homem que, com uma coragem imensa, contra quase todos os colegas da Câmara dos Comuns, alertou para o perigo da Alemanha e, em seguida, comandou a Segunda Guerra Mundial como grande estrategista, reuniu a resistência no grupo dos Aliados e passou quase seis meses nos Estados Unidos para convencer Roosevelt a entrar na luta e não limitar-se à venda de armamentos.
Faço este introito para dizer que nós do Maranhão cometemos uma grande injustiça esquecendo a figura de um grande político, Clodomir Milet, que quase sozinho, depois da Revolução de 1930, sustentou a resistência ao Senador Vitorino Freire. Este teve seu ponto mais alto durante o Governo do Presidente Dutra, seu amigo próximo, que o prestigiou cegamente, dando-lhe todas as condições para implantar uma das maiores máquinas políticas do Maranhão. Clodomir Milet, médico de formação, mas vocacionado para a política, fundou as Oposições Coligadas, que finalmente, em 1965, chegaram ao governo, elegendo-me Governador do Estado.
Iniciamos então outro ciclo político, que modernizou o Maranhão, dotando-o da melhor infraestrutura do Nordeste, com o 2º porto do Brasil, o Itaqui, e abundância de energia, com a construção da Hidroelétrica de Boa Esperança, a interligação dos sistemas de Tucuruí e Paulo Afonso, com todas as hidroelétricas do São Francisco.
Clodomir Milet dominou a política do Estado durante esse tempo todo, como oposição ou, mais tarde, como governo, mostrando como suas qualidades principais a inteligência e a coragem. Foi Deputado Federal e Senador da República, transformando-se em figura de grande destaque no Congresso Nacional, excelente parlamentar, conhecido por se aprofundar no estudo das leis. Destacou-se como grande formulador da legislação eleitoral, a que se dedicou; durante aquele tempo em que as leis eleitorais estavam movediças e em estado de transição, nenhuma foi elaborada sem ter em sua base a contribuição de Milet. Ele tinha espírito público e mostrou isto quando da edição do AI-5, sendo signatário do famoso “Telegrama dos Cinco”, em que ele, Daniel Krieger, Teotônio Vilela, Luís Viana e Josaphat Marinho disseram ao Presidente da República que não concordavam com aquela ruptura democrática.
Clodomir Milet foi um grande Senador, teve expressão e prestígio político nacional como estrategista e líder, comandando um grande grupo de políticos, não só no Maranhão, mas também em âmbito nacional. No Senado era respeitado por sua inteligência, capacidade política e coragem. No Maranhão fomos do mesmo lado, embora de partidos diferentes. Fomos amigos, e minha eleição a Governador teve uma forte participação sua, ao comandar a revisão eleitoral em que foram excluídos cem mil títulos falsos e foi destruído o sistema da eleição a bico de pena, que no Maranhão sobrevivera a sua extinção formal por mais de trinta anos.
O político também não ofuscou o bom médico, numa personalidade que sabia comandar e aglutinar correligionários e amigos. Quando fui Presidente, Milet colaborou no meu governo ocupando o cargo de diretor da Companhia Usinas Nacionais, no Rio de Janeiro, recusando cargos mais relevantes. Clodomir Milet não deve ser esquecido e, sim, sempre lembrado como um dos grandes políticos do Maranhão, como o foram no passado Lino Machado, Silva Maya, Luís Domingues e tantos outros que prestaram serviços ao Maranhão.
— José Sarney é ex-presidente da República, ex-senador, ex-governador do Maranhão, ex-deputado. Escritor. Imortal da Academia Brasileira de Letras