Entre o candidato a cargo eletivo e os eleitores celebra-se modalidade singular de contrato informal. O candidato procura conseguir votos; o cidadão é obrigado a votar. A moeda de troca é o compromisso verbal. O capital do eleitor é o voto livre, direto e secreto. Será registrado na urna eletrônica, na conta corrente de quem o convencer de que é o melhor. Ao eleito o voto confere mandato irrevogável, com duração determinada, em geral de quatro anos.
Não me refiro ao vendedor de voto. Voto comprado desobriga quem o comprou. Pagou e não tem contas a prestar. A compra pode ser mediante pagamento em dinheiro, um quilo de farinha, um par de calçados, promessa de emprego. É mais negociado nas camadas desfavorecidas e entre integrantes do Lumpemproletariado “essa putrefação passiva dos estratos mais baixos da sociedade”, na definição do Manifesto do Partido Comunista, de Marx e Engels.
Na visão de alguns, para vencer tudo se justifica. Até aliança com o demônio. Tomemos como exemplo a disputa entre Luís Inácio Lula da Silva, candidato do PT, e Jair Bolsonaro, indicado pelo PL. A campanha rumo ao segundo turno se desenvolve sem preocupações com a prudência, a ética e a verdade. Impelidos pelo anseio de vencer, ambos ignoram a realidade e são pródigos em promessas. Boa parte dos 156 milhões de eleitores vive em estado de permanente pobreza. Sob a pressão da necessidade, propende a acreditar em milagres.
Compromissos políticos, verbais ou escritos, são assumidos sob a cláusula não escrita “rebus sic stantibus”. Em tradução livre, a expressão latina significa “permanecendo assim as coisas”. O candidato se compromete a dobrar o salário-mínimo, elevar e tornar definitivo o auxílio emergencial, reduzir impostos, distribuir moradias, revogar a reforma trabalhista, erradicar o desemprego, melhorar pensões e aposentadorias, fornecer transporte público gratuito, aprimorar e universalizar a assistência do SUS, desapropriar propriedades rurais para reforma agrária, não roubar e não tolerar corrupção. Concordará com as exigências de grandes e pequenos empresários. Aceitará as pautas apresentada por economistas adeptos do livre mercado e do intervencionismo estatal. Prometerá não alterar a Constituição, enviar à prisão os ladrões, respeitar a liberdade de imprensa, tratar em plano de igualdade governadores dos estados, deputados e senadores, governistas e da oposição.
Após a posse multiplicam-se as cobranças. Como fará para cumpri-las? Não conta com a fidelidade do Congresso e não há dinheiro em caixa. O orçamento está comprometido. A opinião pública repele aumentos de preços e de impostos. Sobem a taxa de juros e o índice de inflação.
O governante mudo e impotente invocará a aplicação da cláusula rebus sic stantibus, subentendida no contrato eleitoral. A mudança do estado de coisas justificará a violação de compromisso eleitorais. O prometido é esquecido. Lixe-se o otário que acreditou. Devo e não nego. Pagarei quando puder.
Em 1984, na campanha para a presidência da República, que a morte o impediu de assumir, Tancredo Neves resumiu o programa de governo na frase “É proibido gastar”. Qual dos candidatos, Lula e Bolsonaro, fala a verdade, se a obsessão pela vitória, os faz mentir?
– Almir Pazzianotto Pinto é Advogado. Foi Ministro do Trabalho e presidente do Tribunal Superior do Trabalho