Eu era Governador do Maranhão e costumava viajar frequentemente ao interior do Estado. Muitas vezes, íamos também a outros Estados: a Boa Esperança, no Piauí, onde se construía a hidrelétrica; a Recife, sede da Sudene, onde, permanentemente, tínhamos assuntos a tratar sobre a Usina Hidrelétrica de Boa Esperança.
Um dia, saímos de São Luís para irmos a Minas Gerais, onde seria realizada uma reunião do conselho da Sudene, no avião Beechcraft que o Estado possuía. O piloto, que se chamava Ribamar, contava com uma experiência muito grande: fora piloto da Vasp, tinha 15 mil horas de voo. Fomos de São Luís a Boa Esperança e, em seguida, nosso destino era Montes Claros.
O voo seria longo, com umas quatro horas de duração. Saímos de Boa Esperança às 10 horas da manhã. Eu pedi a Ribamar que sobrevoássemos as nascentes do rio Parnaíba, que estavam bem à nossa frente, para vermos os rios Água Quente, Curriola e Lontra, formadores da Bacia do Parnaíba.
Com isso, nós nos desviamos da rota. Naquele tempo, só existiam, para orientar a navegação aérea, o radiogoniômetro e a bússola.
Nossa rota passava por Bom Jesus da Lapa. A verdade é que, com o desvio de rota, nós nos perdemos. Havia muita fumaça — já naquele tempo as queimadas corriam soltas —, e o avião jogava muito. Não víamos quase nada. O Ribamar chamava a rádio de Bom Jesus da Lapa — a única cidade que existia com campo de aviação e apoio de rádio naquela área.
Mais de meia hora se passara, e eu só ouvia o Ribamar chamando:
— Chamando Bom Jesus da Lapa! Chamando Bom Jesus da Lapa! Chamando Bom Jesus da Lapa! Chamando Bom Jesus da Lapa!
E eu repetindo, em oração:
— Bom Jesus da Lapa, nos oriente! Bom Jesus da Lapa, nos oriente! Bom Jesus da Lapa, nos oriente! Bom Jesus da Lapa, nos oriente!
De repente, comecei a ficar mais nervoso e perguntei ao Ribamar:
— Ribamar, onde nós estamos?
Ele bateu com as mãos, como a descartar qualquer informação, e disse:
— Governador, eu não sei!
Então, continuamos a nossa peregrinação chamando por Bom Jesus da Lapa. E nada de Bom Jesus da Lapa aparecer.
Até que o Senhor Bom Jesus da Lapa respondeu: depois de umas três horas de voo, ouvimos uma estação de rádio de Bom Jesus da Lapa.
Voamos em direção a Bom Jesus da Lapa, orientados por uma estação de rádio broadcasting, e não pela torre de aeroporto.
Finalmente, pousamos em Bom Jesus. A primeira coisa que fiz, em terra, foi me dirigir a um pequeno botequim do aeroporto e perguntar:
— O senhor tem uma marmelada aí?
— Não. Tenho doce de leite.
— Então me dê uma xícara bem cheia para que o açúcar possa compensar a adrenalina que perdi com medo de que Bom Jesus da Lapa não aparecesse.
— José Sarney. Ex-presidente da República, ex-senador, ex-governador do Maranhão, ex-deputado. Escritor. Imortal da Academia Brasileira de Letras