Desde que Bolsonaro assumiu a presidência da República o clima de apreensão sobre a possibilidade de um autogolpe tem tomado conta das discussões políticas em Brasília. Apesar do DNA golpista, as autoridades nunca levaram a sério as ameaças à democracia feitas pelo presidente ao longo dos dois anos e oito meses de mandato. Sempre o trataram apenas como um fanfarrão boquirroto.
Não foram poucos os arroubos autoritários de Bolsonaro e dos seus filhos, que estimularam e participaram de várias manifestações antidemocráticas realizadas em Brasília no ano passado. Quase todos os domingos, bolsonaristas saiam pela Esplanada portando faixas e cartazes pedindo intervenção militar e o fechamento do Congresso.
O presidente, que deveria ser o primeiro a criticar e impedir esse tipo de ato, fazia justamente o contrário. Desfilou a cavalo no meio dos militantes bolsonaristas, sobrevoou a manifestação de helicóptero, ao lado do então ministro da Defesa, Fernando Azevedo, descendo depois para cumprimentar os participantes. E, não satisfeito, ainda discursou em frente ao Quartel-General do Exército, em um ato no qual os manifestantes pediam o fechamento do Congresso, do Supremo e a volta do AI-5.
As manifestações só cessaram depois que o Supremo endureceu o jogo e o ministro Alexandre de Moraes, que preside o inquérito sobre ataques aos ministros do STF, determinou a prisão de bolsonaristas como a ativista Sara Winter, o blogueiro Oswaldo Eustáquio e, mais recentemente, o deputado Daniel Silveira. Todos abandonados pelo mito.
Apesar de todas essas maluquices e do incentivo do próprio presidente aos atos antidemocráticos, as Forças Armadas sempre rechaçaram qualquer tipo de apoio a um possível golpe. Essa postura dava tranquilidade as autoridades dos demais poderes em relação aos planos de Bolsonaro e dos seus filhos.
Porém, nesta segunda-feira, uma nota divulgada pela Marinha acendeu o sinal vermelho no Congresso. O texto anuncia a realização de um desfile de um comboio de veículos militares pela Esplanada até o Palácio do Planalto, nesta terça, dia da votação da PEC do voto impresso.
A justificativa para essa parada militar fora de época é de que serão entregues convites ao chefe do Executivo e ao ministro da Defesa, general Braga Netto, para assistirem a um treinamento militar que ocorre desde 1988. Este ano, excepcionalmente, a Operação Formosa contará com a participação do Exército e da Força Aérea Brasileira.
A iniciativa foi vista como uma ameaça clara e real ao Congresso e ao Judiciário. “As Forças Armadas, instituições de Estado, não precisam disso. Os brasileiros, sofrendo com as consequências da pandemia, também não. O Brasil não é um brinquedo na mão de lunáticos”, tuitou o senador Alessandro Vieira, anunciando que entrou com uma ação para impedir o corso.
Outros parlamentares e partidos também acionaram a Justiça pedindo que o desfile seja suspenso. Militares declararam à imprensa que isso nunca aconteceu e que o Exército não participaria. Pode até ser que as Forças Armadas não apoiem Bolsonaro integralmente, mas parte sim. E é isso que preocupa. Já se sabe que partiu do próprio presidente o pedido para o desfile de tanques nas ruas de Brasília.
Cada vez mais enrolado em suas próprias confusões, ele quer mostrar força. Não dá para minimizar esse fato, como fez Arthur Lira. Não foi uma infeliz coincidência apenas. Faz parte de um plano diabólico para se manter no poder. A votação da PEC do voto impresso é apenas uma desculpa. Ele sabe que vai sofrer mais uma derrota e quer mostrar força e apoio dos militares ao seu intento.
Além disso, o TSE apresentou uma notícia-crime contra o presidente junto ao Supremo, pelo vazamento do inquérito sigiloso da Polícia Federal que apura o ataque ao sistema interno do Tribunal, em 2018.
Esta é a segunda representação encaminhada ao Supremo pelo TSE contra Bolsonaro em menos de uma semana. Na primeira, o Tribunal Eleitoral pede que ele seja investigado no inquérito das fake news por causa dos ataques às urnas eletrônicas.
Os poderes precisam levar a sério as ameaças constantes contra a democracia feitas pelo presidente antes que ele convença todos militares a embarcarem na sua loucura. Uma parte já foi convencida.