O presidente Jair Bolsonaro perdeu uma boa chance de embaralhar as cartas. Quando decidiu se aproveitar da visibilidade mundial da reunião do BRICS para aparecer na mídia internacional, defendendo-se do desmatamento na Amazônia, bateu de frente com seus detratores, as ONGs ambientalistas e governos dos países desenvolvidos.
Metralhadora giratória
O capitão poderia ter aproveitado essa chance única para, em vez de abrir fogo com sua metralhadora giratória, romper o cerco, contornando as críticas, como fizeram os generais da ditadura: expostos à execração dos povos civilizados de então, acusados das torturas nos porões do DOI/CODI, os marqueteiros dos militares rebateram negando os fatos e, com números e imagens de campos cultivados e as fábricas do milagre econômico do ministro Delfim Neto, dividir as percepções.
É bom lembrar que, naquele tempo, uma parte relevante da opinião pública no exterior duvidava que num país tão rico, com um carnaval tão animado e um futebol tricampeão tão bonito pudesse ser governado pacificamente por aqueles cruéis assassinos descritos nas narrativas da esquerda. Em plenos anos 1970, era mais fácil ligar os guerrilheiros urbanos de Carlos Marighela e do capitão Lamarca aos tresloucados do Baden Meinhoff alemão, das Brigadas Vermelhas italianas ou do IRA irlandês. Nesses tempos o terrorismo muçulmano limitava-se a Israel, ainda não se mostrava no Ocidente. A imagem predominante na época era de um país pacífico, embora hoje haja narrativa de que a opinião púbica internacional estivesse estarrecida. Uma boa parte via um país rico e progressista com taxas de crescimento maiores que as da China de nossos dias. É difícil acreditar, mas foi assim.
Mas não. Bolsonaro atacou diretamente os governos de países tidos como amigos do Brasil, prometendo revelar as hipocrisias de seus governos. Segundo o jornal O Estado de S. Paulo, 92% das toras de madeiras de lei (Ipê, Mogno e Jacarandá) exportadas do Brasil (legal ou ilegalmente) vão para esses países detratores do governo Bolsonaro. Nos velhos tempos, quando o País era comandado pela esquerda (na visão europeia o PSDB é um partido de esquerda), os europeus deixavam a Amazônia em paz e ainda davam um dinheiro para os ambientalistas nacionais e internacionais que estavam acampados nas matas amazônicas.
Tiro n’água
Foi um tiro n’água. Gastou seu latim. Constrangeu seus parceiros de ”live” com críticas a outros países, sem antes ter consultado os lideres que estavam na reunião virtual. Uma gafe do Itamaraty do ministro Ernesto Araújo. Botou os demais presidentes numa saia justa. Entretanto, nada repercutiu. O grande acontecimento dessa reunião foi a mediação do presidente da Rússia, Vladimir Putin, para pacificar os líderes da China, Xi Jinping. E da Índia, Narendra Damonardas Modi, que há poucos meses andavam às turras, com soldados de um e outro país dando tiros uns nos outros na fronteira.
Uma ameaça de guerra quente entre os dois países mais populosos do mundo. Gol de Putin, pois a China anunciou que vai investir na Índia. Com dinheiro tudo se acalma. Bolsonaro não conseguiu nem mesmo ser ouvido. A mídia mundial apenas registrou sua presença na videoconferência. Nem uma palavra do que disse. Na verdade, com seus ataques apenas deu munição para seus adversários internos, no Brasil, para reforçarem suas críticas. O presidente brasileiro poderia ter seguido o exemplo de seu colega da África do Sul, Cyril Ramaphosa, que entrou mudo e saiu calado. Nada tinham a dizer nenhum, dos dois. Se a palavra é de prata, o silencia é de ouro, diria o conselheiro Acácio.