O bolsonarismo venceu. A frase não me pertence. Está em artigo publicado pela grande imprensa. Foi escrita por cientista político, incapaz de esperar que as nuvens se dissipem, as águas se acalmem e a poeira acabe de assentar.
Admito, porém, que as hostes lulistas, socialistas, sindicalistas, e aquilo que resta dos diversos ramos do comunismo tupiniquim, se deixaram apanhar de surpresa pelo desempenho de Jair Bolsonaro nas urnas, o inimigo a ser batido no primeiro turno.
É impossível entender a psicologia das grandes massas eleitorais. Os institutos de pesquisa erraram em suas previsões? Não acredito. Com as imprecisas ferramentas de que dispõem, tentaram antever aquilo que é impossível de se desvendar: como votariam mais de 156 milhões de eleitores, das mais diversas condições econômicas e sociais, divididos entre vários candidatos.
A massa é inconstante, insegura, mas reage diante de algo que acredita constituir grave ameaça. É o que hoje acontece. Aquilo a que as esquerdas dão o nome de bolsonarismo, não passa de reação compreensível das classes médias diante de perigo iminente, mais real do que imaginário.
Em 2018, Jair Bolsonaro, até então obscuro deputado federal do baixo clero, mal avaliado pelos grandes partidos políticos, derrotou o poderoso Partido dos Trabalhadores, o PSDB, e todos os demais. Desfraldou a bandeira da defesa da propriedade, do agronegócio, do direito que o cidadão de bem tem de se armar com o propósito de se proteger. Para ser vitorioso contribuiu a punhalada sofrida em Juiz de Fora, que o manteve isolado em leito hospitalar.
Aqui não compareço para analisar-lhe o governo. Afinal, 51,07 milhões de votos, concentrados nos estados desenvolvidos, bastam para absolvê-lo das acusações. Digo o mesmo de Luís Inácio Lula da Silva, o vencedor no nordeste, com 57,2 milhões.
Auxiliado por Geraldo Alckmin – o tucano que abjurou a social-democracia, para integrar as fileiras petistas – Lula tentará atrair a classe média. Para fazê-lo, contudo, não poderá recorrer às aglomerações coloridas por bandeiras e camisas vermelhas. O discurso raivoso deverá dar lugar a expressões civilizadas, educadas, destituídas de ódio, não se sabendo exatamente contra quem. Se o bolsonarismo é de extrema direita, assim se tornou como reação ao lulismo de extrema esquerda e ao Partido dos Trabalhadores, cuja intolerância se fez conhecida desde a época em que surgiu como oposição.
A polarização odiosa tomou conta do cenário político. “O rancor é a emanação do sentido de inferioridade”, escreveu Ortega y Gasset. Chegamos ao ponto em que se nega ao adversário um único ponto de razão, “nem um til de direito” (Meditações do Quixote, Livro Ibero-Americano, SP, 1967, pág, 40).
O primeiro turno pertence ao passado. Assim como as eleições de 2018. Os resultados são imutáveis. Devemos pensar no segundo. São dois os disputantes: Lula, com ligeira margem de vantagem, e Bolsonaro, impulsionado pelo resultado surpreendente do dia 2.
Não sou profeta, adivinho, futurólogo, apostador. Acredito, porém, que as classes médias votarão orientadas pela prudência, pelo receio ao desconhecido, à insegurança. Entre os dois candidatos, qual é aquele cujo desempenho é previsível? Essa interrogação deverá estar presente no cérebro do votante, receoso do aumento da inflação, da elevação do custo de vida, do desvio sistemático do dinheiro do Tesouro Nacional, da extinção do controle dos gastos públicos, da corrupção, da negação ao direito de propriedade, do combate à liberdade de imprensa, e de outros malefícios que fragilizam a economia e ameaçam o regime democrático.
Teixeira Soares, escritor português, autor da conhecida obra “O Marquês de Pombal”, relata o seguinte diálogo: “De que cor é o medo”, perguntou Dom Sebastião a Dom Cristóvão de Távora – “Senhor, da cor da prudência”, replicou o velho fidalgo, curtido de várias campanhas africanas e desconfiado da maluquice que se preparava” (Ed. Alba, RJ, 1961, pág. 28).
Em minha idade, prefiro a cor da prudência, orientado pela esperança de que o vencedor trabalhe pela reunificação do país, hoje dividido entre esquerda e direita, lulistas e bolsonarista, nós e eles, verde-amarelos e vermelhos.
– Almir Pazzianotto Pinto é Advogado. Foi Ministro do Trabalho e presidente do Tribunal Superior do Trabalho