O lobo solitário Jair Bolsonaro continua à espreita. É precipitado considerar o capitão como o grande derrotado nas eleições municipais. O fracasso de seus preferidos não deve ser transferido a ele, assim como, também, ele não pôde repassar seus votos para seus aliados no dia 15 de novembro. Sua trajetória vem de manter distância dos sistemas políticos convencionais. Portanto, eleições de que não participa pessoalmente não devem ser parâmetros para um julgamento definitivo de seu fôlego nas urnas. 2022 continua aí à frente.
A derrota dos candidatos bolsonaristas apenas confirma o cenário que se formara desde os primeiros meses do seu governo. Mal chegou ao Palácio do Planalto, Bolsonaro foi se desfazendo de seus aliados políticos a ponto de ser o único presidente de uma república, no mundo, sem pertencer a um partido político. Mesmo os ditadores mais grotescos têm uma agremiação para juntar seus seguidores. Jair desfila sem bandeira. Incrível, mas é verdade.
O fracasso do PSL nas eleições municipais só pode ser atribuído a uma imensurável incompetência política de seus dirigentes ou que seu presidente nacional, Luciano Bivar, tenha se fixado na administração do polpudo fundo partidário para afastar o capitão e seus filhos da gestão do caixa partidário. Sem o dinheiro, o poder político do grupo palaciano perdeu muito de seu vigor, como se viu no dia 15 de novembro. Em São Paulo, o PSL fizera 15 deputados estaduais em 2018, a maior bancada na Assembleia Legislativa. Domingo elegeu um único misero vereador. Os candidatos majoritários oriundos do bolsonarismo naufragaram, como Joice Hasselmann e outros. No fim e ao cabo, a safra de deputados e senadores de 2018 não se repetiu nas câmaras e prefeituras de 2020. Deve-se, apesar d tudo, reconhecer que o candidato apoiado explicitamente pelo presidente, Celso Russomano, embora amargando um quarto lugar, foi o melhor colocado nas hostes da extrema direita.
A esquerda viu acender-se um farol a iluminar o fim do túnel, logo à frente. O desempenho do Psol em grandes capitais renova as esperanças da esquerda de reinstalar o binômio PSDB/PT que predominou nestes 30 anos de Nova República; O partido tirado de uma costela do PT pela então deputada dissidente Luciana Genro (RS), assumiu a bandeira da ética naquele tempo empunhada pelo Partido dos Trabalhadores e incorporou frações identitárias, levando para as câmaras todos os segmentos LGBTQIA, étnicos e corporativos, no lugar dos antigos estandartes nacionalistas e de luta de classes da esquerda convencional. Nesse ponto, a única falha foram as candidaturas explicitamente afrodescendentes da candidata do PT na Bahia, Major Denice, e do deputado federal Orlando Silva, do PC do B, que também assumiu uma identidade racialista como bandeira eleitoral. Nas câmaras todas essas denominações tiveram bom desemprenho.
Com a volta da esquerda, o panorama eleitoral recoloca a polarização como possibilidade concreta para a luta política nos próximos dois a anos. A duvida é quanto de força restará ao presidente Bolsonaro até 2022, ou seja: ele virá feroz como o lobo da estepe ou tal qual o lobo guará de sua cédula de 200 reais, o primo pobre dos canídeos, um lobo de dentes pequenos e mandíbula fraca, que em vez de estraçalhar presas de sangue quente, prefere comer frutas e vegetais. Um lobo quase vegetariano.