Amazônia Azul. Esse é o nome pelo qual tem sido designada a área marítima brasileira, cujas proporções se equivalem às da Amazônia Verde.
Considerada a chamada Zona Econômica Exclusiva (ZEE), a Amazônia Azul projeta-se, a partir da costa, por 200 milhas náuticas oceano Atlântico adentro. Além da ordem de grandeza, sua piscosidade e sua expressiva biodiversidade marinha dão razão àquela referência à Amazônia, com o aditamento encantado de “todo azul do mar”, como canta Flávio Venturini.
Com base no Direito Internacional, o Brasil tem postulado junto às Nações Unidas a ampliação de sua ZEE por acréscimo do talude da plataforma continental. Isso somaria 2,1 milhões de km2 aos atuais 3,6 milhões de km2 da ZEE, perfazendo uma área de 5,7 milhões de km2. Vale lembrar que todo o território brasileiro possui uma área de aproximadamente 8,5 milhões de km2. Portanto, a Amazônia Azul corresponde a 67% do território nacional.
Além de uma imensa variedade de organismos marinhos de valor biotecnológico que possuem propriedades com amplas aplicações, principalmente nas áreas farmacêutica, de cosméticos, de alimentos e agricultura, a ZEE brasileira é rica em recursos não-vivos: hidrocarbonetos como petróleo e gás natural (o pré-sal encontra-se nas franjas da plataforma continental), dezenas de tipos de minérios, tais como cobalto e tório. Nada desprezível é seu potencial em energias eólica e solar.
Para defender tudo isso, o Brasil foi procurar ajuda estratégica na França. É que o submarino de propulsão nuclear que a Marinha atualmente desenvolve para patrulhar a Amazônia Azul baseia-se no projeto da embarcação de mesmo tipo conhecida como Scorpene. Produzida onde? Na França.
É risível, portanto, dizer que a França ameaça nossa soberania. Ao contrário, ajuda-nos a defendê-la.
Fronteira Brasil x França
Não bastasse isso, a França possui legítimo interesse em também garantir a integridade da Floresta Amazônia, pois o fogo não respeita as divisas criadas pelo homem. Pouco atentos às aulas de Geografia, esquecemo-nos de que o Brasil é o país de maior fronteira contígua com a França.
Como? A Guiana Francesa, naturalmente. Esse território francês próximo à linha do Equador, fronteiriço ao Amapá, é também amplamente recoberto por aquela densa mata virgem, que Alexander von Humbolt, deslumbrado, resolveu denominar Hileia Amazônica.
Quando Macron fala em um estatuto internacional de proteção da Amazônia, o faz como interlocutor de direito e qualificado. Não quer tomar nossas terras.
Nossas divergências com os franceses em torno da soberania sobre a região do Oiapoque foram resolvidas com destreza pelo Barão do Rio Branco, no início do século XX. À exceção dos vinhedos do Rio Grande do Sul e do Vale do São Francisco, que já fornecem espumante de qualidade, a França não quer concorrer com nosso agrobusiness, mesmo porque o que aqui se produz para exportação não condiz com o que o solo e o clima franceses, no continente europeu, permitem germinar.
Hipótese Gaia
Alguém já ouviu falar em soja francesa? A França se preocupa, sim, com o meio-ambiente. Não poderia ser diferente, pois sua fonte primária de energia, a nuclear, é sempre causa de preocupações, a despeito de James Lovelock, o autor da Hipótese Gaia, ver nela uma saída para a emergência climática.
A França, ademais, lança seu olhar para a indústria de um futuro cada vez mais próximo: a biotecnologia. Poderíamos ser parceiros nessa empreitada, seguindo o belo exemplo da histórica cooperação entre dois ilustres cientistas: Louis Pasteur e Oswaldo Cruz.
Outra coisa é cobiçar a Amazônia para exauri-la. Olhos gordos em riquezas da região, notadamente no urânio (há jazidas abundantes em Roraima), no ouro, no manganês, no lítio, no agora famoso nióbio e outras “terras raras” essenciais à tecnologia digital e aeroespacial , além da água doce, enfim, tem aquela outra potência “amiga” que acha que tudo pode ser tomado ou comprado.
Que o diga a Dinamarca! A propósito: as maiores reservas de “terras raras” de que se têm notícias encontram-se na China.
Antes que se concretize a profecia distópica de Ignácio Loyola Brandão, segundo o qual “desta terra não vai sobrar nada a não ser o vento que sopra sobre ela”, o Brasil precisa conversar com a França, com o Suriname, com a Guiana (ex-Inglesa), com a Venezuela (isso mesmo!), com a Colômbia, com o Equador, com o Peru e com a Bolívia sobre a melhor forma de preservar e desenvolver, da maneira mais sustentável possível (já há cientistas e empresários falando em Amazônia 4.0) um bem de valor incalculável e imprescindível para a perpetuação da vida nesse planeta: a Floresta Amazônica. Bien sûr, monsieur Bolsonaro.
* Thales Chagas Machado Coelho é mestre em Direito Constitucional UFMG, professor de Pós-Graduação em Direito Eleitoral no Centro de Estudos em Direito e Negócios (CEDIN)