Dois anos se passaram desde que fomos presenteados com a receita da mulher ideal, publicada em revista nacionalmente conhecida. Em pleno século XXI, quase sessenta anos depois da revolução sexual feminina, havíamos entrado na era da “Bela, recatada e do lar”. Receitas de bolo, modelitos acinturados e penteados estruturados voltariam à crista da onda, para a satisfação de inúmeras mulheres cansadas da liberdade e da independência econômica conquistadas a duras penas ao longo de tantos anos.
Sabemos que o sistema sempre se aprimora com o passar do tempo. Qual não foi minha surpresa ao deparar-se com o novo patamar de depuração e purificação da sociedade? Chegamos finalmente à era dos Belos, fortes e sarados!
Vejam que beleza! O novo modelo não vinha mais estampado como manual de comportamento em revista da moda, mas através de um decreto presidencial! Sim, porque a partir da data de sua publicação, o Decreto passaria a considerar que salões de beleza, barbearias e academias de ginástica seriam atividades essenciais, equiparados aos transportes públicos, hospitais e comércio de gêneros alimentícios. Portanto, estariam autorizados a funcionar normalmente nas cidades, mesmo no decorrer da quarentena decorrente da pandemia da covid-19.
Considerando-se o caráter altamente contagioso do vírus que vem provocando um dos maiores desastres sanitários da humanidade, além do índice de letalidade, é de se supor que os assíduos frequentadores desses estabelecimentos se exporão ao contágio, mas que aqueles verdadeiramente fortes não sucumbirão. Fortes e altaneiros, os valentes sobreviventes representarão o melhor do nosso povo, do nosso Brasil varonil.
Chegamos então ao objetivo final da política governamental para o complexo problema da pandemia? Estaria eu enganada ou isso não faz você se lembrar de um outro período da história da humanidade, muito famoso, que culminou na proliferação de campos de concentração?
Nada disso faz você levantar o alerta vermelho?
De minha parte, prefiro lembrar-me de Ettore Scola, o célebre e premiado diretor de cinema italiano, que, dentre outros filmes maravilhosos, resolveu dedicar uma de suas películas, de sua arte, aos feios, aos excluídos, aos desamparados.
Melhor sermos todos “Feios, Sujos e Malvados”.
* Eliane de C. Costa Ribeiro é juíza do Trabalho aposentada (Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região)