Há muito a figura do vice-presidente no Brasil deixou de ser decorativa. José Sarney cumpriu todo o mandato conferido a Tancredo Neves, morto antes da posse, na primeira eleição de um civil após 20 anos de ditadura militar. Com a queda de Fernando Collor, primeiro presidente a sofrer impeachment, Itamar Franco completou os dois anos restantes da presidência. Mais recentemente, Michel Temer substituiu Dilma Rousseff, também afastada pelo Congresso Nacional.
Nos dois últimos casos, além dos titulares terem sofrido impeachment, outro ponto em comum entre eles é o fato de que nem Collor nem Dilma tinham bom relacionamento com seus vices. Fosse mais esperto politicamente falando, Bolsonaro teria aprendido com a história e trataria o general Hamilton Mourão com muito mais respeito.
A escolha de Mourão como vice na chapa de Bolsonaro foi pura falta de opção. Às vésperas do registro da candidatura, o PSL ainda não havia conseguido um partido para se coligar e aumentar o tempo de televisão e nem um nome para compor a chapa encabeçada pelo capitão. Diante disso, restou apenas alguém sem peso político, mas com uma alta patente militar.
Assim como não conseguiu criar o próprio partido, Bolsonaro não atraiu o vice dos sonhos, alguém que pudesse trazer mais votos para a chapa em 2018. O que a princípio pareceu ser ruim, é, talvez, a principal vantagem política que o presidente tem atualmente para se manter no cargo, apesar de todos os absurdos que diz e faz diariamente e dos mais de 125 pedidos de impeachment acumulados na gaveta do presidente da Câmara, Arthur Lira.
Como foi deputado por quase três décadas, bem ou mal, o capitão sabe como as coisas funcionam no meio político. Com isso, consegue manter um relacionamento com o Congresso a ponto de garantir pelo menos os 172 votos necessários na Câmara para impedir a abertura de um processo de impeachment.
Já Mourão nunca exerceu um mandato eletivo antes, o que demonstra sua inexperiência no mundo político. Fosse um político com trânsito no Congresso, com certeza já estaria ocupando o terceiro andar do Palácio do Planalto há muito tempo. Afinal, deve ser bem mais fácil lidar com o general bem humorado do que com um capitão bipolar que a todo momento cria uma confusão.
Talvez pelo fato de ser um militar e, como tal, respeitar a hierarquia, ou mesmo pela sua falta de vivência no meio político, é que Mourão não tem buscado políticos para fazer “análise de cenários”, como Temer fez quando vice de Dilma. Essa falta de diálogo com deputados e senadores tem assegurado a permanência de Bolsonaro no cargo.
Só Bolsonaro, com sua mania de perseguição, não consegue enxergar essa realidade. Assim, cada dia ele eleva o tom das agressões contra o seu vice. O capitão tem sido deselegante e grosseiro e não respeita nem a patente de general que Mourão ostenta. Não sabe que está cavando a própria cova.
Até agora, Mourão tem reagido com bom humor aos ataques do presidente. Às vezes responde com sarcasmo, como quando apelidou o deputado Eduardo Bolsonaro, o 03, de Bananinha. Um apelido que pegou entre jornalistas e políticos. Aliás, isso deve ter irritado Bolsonaro e seus pimpolhos ao máximo.
Mas nos últimos dias o vice-presidente vem mudando a postura. Tem deixado claro nas respostas que não concorda com os arroubos autoritários do capitão. Assim, faz um contraponto tanto ao comportamento irascível do presidente, quanto às suas ideias e projetos.
Resta agora Mourão procurar as lideranças políticas e iniciar uma “análise de cenários” mostrando como o Brasil seria melhor sem o capitão.