“É inegável que os atuais parlamentos são bastante inaptos para a função legislativa propriamente dita. Não têm nem o tempo nem a disposição de espírito necessários para desempenhá-la a contento.” A frase foi escrita pelo célebre jurista e economista Friedrich A Hayeck no livro Direito, Legislação e Liberdade e se aplicava aos parlamentos europeus. (Ed. Visão, SP, 1985, pág.109).
Friedrich August von Hayek era natural de Viena, Áustria, onde nasceu em 8/5/1899, vindo a falecer em Freiburg, Alemanha, em 22/3/1992. Faz parte do erudito grupo de economistas adeptos da escola liberal, havendo sido laureado com o Prêmio Nobel de Economia em 1974.
Apesar da visão crítica do poder legislativo na Europa, Hayeck se espantaria se viesse a conhecer o Congresso Nacional. Os compromissos nos Estados Unidos e na Inglaterra, onde lecionou nas melhores universidades, o pouparam da desagradável experiência. A rigor, o Senado e a Câmara dos Deputados foram melhores. Sucessivas legislaturas revelaram ao povo parlamentares de larga envergadura, cultos, assíduos, combativos, empenhados, sobretudo, na demonstração da independência e da coragem do Poder Legislativo, como se assistiu ao longo do regime militar.
Produto típico da inépcia do Legislativo é a Constituição de 1988, já remendada mais de uma centena de vezes e à espera de outras tantas reformas, que, a rigor, a tornam mais prolixa e confusa.
O caso da assistência judiciária a empregados ou desempregados, cujas condições financeiras não lhe permitem arcar com as despesas da reclamação trabalhista “sem prejuízo do sustento próprio ou da família”, resulta de legislação mal elaborada por Poder Legislativo inepto. Aprovada com a pressa dos retardatários, como dizia o ministro Prates de Macedo do Tribunal Superior do Trabalho, os responsáveis pela reforma trabalhista não se deram conta de que, ao tratar do assunto da forma como o fizeram, violavam a garantia constitucional de acesso universal ao Poder Judiciário.
O Decreto-Lei nº 8.737, de 19/1/1946, baixado pelo presidente José Linhares e referendado pelo Ministro do Trabalho Carneiro de Mendonça, “facultou aos presidentes dos tribunais do trabalho conceder ex-officio o benefício da justiça gratuita, inclusive quanto a traslados e instrumentos, aqueles que perceberem salário igual ou inferior ao dobro do mínimo legal ou provarem o seu estado de miserabilidade” (CLT, Art. 789, § 7º).
Decorridos sete anos a Lei nº 1.060, de 5/2/1050, sancionada pelo presidente Gaspar Dutra, determinou “normas para a concessão de assistência judiciária aos necessitados”. De conformidade com o Art. 2º, “Gozarão dos benefícios desta Lei os nacionais ou estrangeiros residentes no país, que necessitarem recorrer à Justiça penal, civil, militar ou trabalho.” Para a legislação, necessitado era “todo aquele cuja situação econômica não lhe permita pagar as custas do processo e os honorários de advogado, sem prejuízo próprio ou da família”.
A evolução legislativa prosseguiu com a Lei nº 5.584, de 30//1970, confirmada pelo presidente Emílio G. Médici. Também ela assegurou o direito à assistência judiciária “a todo aquele que perceber salário igual ou inferior ao dobro do mínimo legal”. Do mesmo benefício gozariam trabalhadores com salário superior, “uma vez provado que sua situação econômica não lhe permite demandar, sem prejuízo próprio ou da família.”
A Constituição de 1988, entretanto, ultrapassou toda a legislação ordinária na garantia de acesso gratuito ao Poder Judiciário. Nesse sentido se destacam os incisos XXXV e LLXXIV do artigo 5º, que trata dos Direitos e Garantias Fundamentais. Reza o primeiro que “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”. O segundo prescreve: “o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos”.
Em 2002, no governo Fernando Henrique Cardoso, a Lei nº 10.537, de 27/8, adaptou as disposições da CLT sobre custas e emolumentos ao texto constitucional e lhe acrescentou os artigos 789-A, 789-B e 790-A e 790-B, mantendo, porém, o direito do trabalhador necessitado à assistência judiciária gratuita.
A Lei nº 13.467, de 13/7/2017, veio com o objetivo de reduzir o número de demandas trabalhistas. Sob o argumento da banalização dos dissídios individuais, deu guinada de 180º no tratamento do empregado ou desempregado desprovidos de recursos para demandar, impondo-lhe os ônus das custas, dos honorários de advogado e periciais.
A decretação da inconstitucionalidade dos artigos 790-B, caput e parágrafo 4º, e 791-A, parágrafo 4º, da CLT, restabelece a hierarquia das normas constitucionais. Apenas isso. A inépcia do Poder Legislativo, a falta de cuidado, o desconhecimento de muitos e a afoiteza de outros, resultou no problema que, submetido ao Supremo Tribunal Federal, não poderia colher outro resultado.
É inexplicável a posição do constitucionalista e humanista presidente Michel Temer. Sancionou a confusa lei sem lhe opor um único veto, mesmo a dispositivos que, segundo a ala progressista do STF, vedavam o acesso à Justiça do Trabalho pelo trabalhador desprovido de meios para arcar com as custas, “sem prejuízo do sustento próprio ou de sua família”.
— Almir Pazzianotto Pinto é Advogado. Foi Ministro do Trabalho e presidente do Tribunal Superior do Trabalho.