As três maneiras de abordar a reforma da previdência: fiscal, social e racional

A reforma tem três abordagens diferentes, mas não excludentes: a fiscal, a do combate às desigualdades e a racional. O Governo precisa de todas para aprovar a Nova Previdência

Ministro Paulo Guedes - Foto Orlando Brito

“Sabe dizer onde eu posso encontrar um trilhão de reais”, perguntou o transeunte a um homem sentado numa cadeira de plástico, na porta da barbearia. “Pergunta lá no Posto lpiranga”, respondeu o barbeiro, com ar de desalento pela falta de fregueses.

A comissão especial da Câmara, criada para dar parecer sobre a proposta de reforma da Previdência (PEC 06/2019), começa a debater o tema nos próximos dias, a partir de um roteiro de trabalho a ser apresentado pelo relator designado, o deputado Samuel Moreira (PSDB-SP).

Não se pode dizer que seja um debate novo. Afinal, este é o tema central da agenda político-econômica desde a instalação do governo de transição, logo após a vitória final de Jair Bolsonaro na eleição presidencial.

Instalação da Comissão Especial da Câmara da Reforma da Previdência. Foto: Orlando Brito

Trata-se, isso sim, de uma nova fase de discussão, na qual a proposta do governo vai ser esmiuçada, passando por um teste decisivo, ainda que não definitivo. Isso porque pode haver mudanças na proposta até a promulgação da Emenda Constitucional, levando-se em conta que alguma reforma vai ser aprovada.

A comissão especial é o único espaço onde os deputados podem oferecer emendas à PEC, subscritas por no mínimo 171 deputados, no prazo já iniciado de dez sessões de plenário. Em tese, a partir da 11ª sessão, o relator pode apresentar o seu parecer, mas, em uma proposta com a complexidade da reforma da Previdência, não se cogita tamanha celeridade.

O presidente da Câmara, deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ), em um cálculo assumidamente otimista, avalia que a comissão possa encerrar os trabalhos no final de junho, deixando para o plenário da Casa o desafio de votar antes do recesso de julho, vale dizer, até dia 17 daquele mês. Assim, a tramitação no Senado teria início em agosto.

Uma avaliação moderada aponta para aprovação na comissão até julho e deliberação do plenário em agosto.

Se assumirmos uma posição mais conservadora, a conclusão da comissão especial se daria em agosto e a entrega do “bastão” para o Senado seria feita no início de setembro.

Dificuldades aumentam

O governo tomou uma canseira na Comissão de Constituição e Justiça, onde a admissibilidade da proposta (aspectos formais) só foi aprovada em 24 de abril. O chamado Centrão colocou dificuldades, como a exigência de priorizar a PEC do Orçamento Impositivo, e a oposição não mediu esforços para retardar a deliberação.

Rodrigo Maia na CCJ da Câmara, durante a discussão da Previdência. foto Orlando Brito

Na comissão especial, as dificuldades serão bem maiores, até porque, entre os partidos que concordam com a necessidade da reforma, existe resistência a diversos pontos, como alterações na aposentadoria rural e no Benefício de Prestação Continuada (BPC), na aposentadoria especial para professores, pensão por morte e outros. A oposição, que se coloca contra a reforma, vai continuar a fazer uso dos mecanismos de obstrução.

Debate propositivo

O debate em torno da reforma deve seguir pelo menos três linhas diferentes, considerando os setores favoráveis a ela, no todo ou em parte.

A linha fiscal é a que tem prevalecido pelo lado do governo, o que é natural considerando-se que a proposta de reforma saiu do Ministério da Economia. A ideia de economia de R$ 1,0 trilhão em dez anos, elevada recentemente para R$ 1,2 trilhão no mesmo período, foi anunciada pelo ministro Paulo Guedes, a quem, em um dia de campanha eleitoral, Jair Bolsonaro chamou de Posto Ipiranga, lembrando campanha publicitária veiculada na época.

Ao repetir o jargão publicitário, que visava reforçar o Ipiranga como marca nacional, Bolsonaro quis se livrar dos questionamentos embaraçosos dos jornalistas sobre os problemas econômicos nacionais. Paulo Guedes, o seu Posto Ipiranga, é quem teria as respostas para a economia.

Ao se apegar aos recursos que devem ser economizados em dez anos, o governo parece estar lidando mais com um pacote de medidas, como tantos que já vimos ao longo dos anos nos momentos de crise mais aguda, do que com uma reforma estruturante. Mas o mercado financeiro gosta de números e essa dita economia vai ser repetida um trilhão de vezes.

Protesto de aposentados. Foto Orlando Brito

A linha de combate às desigualdades é a de maior alcance popular. Para o discurso político, é a linha ideal para a defesa da reforma. O problema é que, em casos como o de redução do valor do BPC e da redução das pensões por morte, o princípio isonômico passa a ser entendido da seguinte forma: “Sobrou pra todo mundo.” E o apoio popular escorre pelo ralo. De qualquer forma, o combate às desigualdades deve ser o preferido dos defensores da reforma.

A terceira linha é a da racionalidade, que sozinha não tem apelo, mas que deve estar presente nas duas outras – fiscal e política -, uma vez que contém os principais motivos para aprovação da reforma: evolução demográfica com envelhecimento da população, maior expectativa de sobrevida e insustentabilidade do sistema nos atuais moldes. A proposta indica o caminho da capitalização, semente de um novo sistema, mas para por aí.

Se o governo tiver fôlego, pode detalhar o que propõe como Nova Previdência. Por ora, se você quiser saber detalhes da proposta de capitalização, “pergunta lá no Posto Ipiranga”.

Carlos Lopes é jornalista e diretor da Agência Tecla / Informação e Análise

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