São notórias as dificuldades de articulação entre si das forças políticas que se opõem ao atual presidente da República e a seu governo. Algumas delas, timidamente. Mas, que fazer, então? O senador José Aníbal (PSDB-SP), depois da tentativa de autogolpe do último dia 7 de setembro, desabafou: “Não é possível conviver com mais dezesseis meses de governo Bolsonaro”. E daí? Qual é a solução para que se evite entregar ao próximo presidente da República um país completamente destroçado?
Alfred Stepan, conceituado estudioso dos militares brasileiros, já assentou, com percuciência, que só é possível contrarrestar a sanha do estamento militar por tutelar a vida política brasileira por meio de uma ampla coesão da sociedade civil. A unidade, no caso, não importa anulação ou obnubilação das diferenças. Pelo contrário, por meio do diálogo e interação, uma relação antitética entre “amigo-inimigo”, frente a um adversário comum, pode converter-se em harmonia. Mais forte a unidade se torna, à medida que os interlocutores vão se fazendo capazes de ouvir e respeitar os argumentos do que pensa de outra forma. É a receita de construção de consensos vinculantes. É o caminho para impedir mais dezesseis meses de agonia.
Não é fácil. O fracasso da Frente Ampla, articulada por Carlos Lacerda, em 1967, com JK e Jango, pode, em grande medida, ser atribuído a uma indisposição a aprender com quem pensava diferente; a uma incapacidade de ousar aproximar, de buscar a integração de posições antagônicas. Vale lembrar que até o inimaginável aconteceu: Lacerda entabulou tratativas com os comunistas, seus arqui-inimigos. E isso em plena ditadura militar. Em setembro daquele ano, JK e Jango já haviam conseguido − a duras penas, certamente − superar suas resistências a Lacerda, e afirmavam o compromisso de marchar juntos, resgatando o sentido mais remoto da política, como nos ensina Marilena Chauí, como “palavra-diálogo pública e igualitária”.
Superar estereótipos, porém, foi o desafio que não foi vencido. Apesar dos apelos de JK e Jango, 120 dos 133 parlamentares do MDB decidiram não ingressar na frente, por desconfiarem de que Lacerda poderia estar usando o movimento como base para sua “candidatura à presidência da República”. Brizola e membros da família de Getúlio Vargas diziam que havia “incompatibilidade total entre os trabalhistas e os líderes da Frente Ampla”. Pareciam não ter se dado conta de que, naquela República, só havia espaço para candidaturas de generais à Presidência.
A tibieza da coalizão permitiu ao regime autocrático avançar. Em agosto o ministro da Justiça já havia proibido a presença de Lacerda em programas de rádio e TV; em abril do ano seguinte, após a passeata estudantil pela morte do secundarista Edson Luís e a realização de um bem sucedido comício da Frente Ampla na cidade de Maringá, no Paraná, todas as atividades da Frente Ampla (manifestações, reuniões, comícios, passeatas) foram proibidas, com ordem expressa à Polícia Federal para que detivesse quem violasse aquela determinação. Em dezembro de 1968, uma vez editado o AI-5, Carlos Lacerda e o secretário-geral da Frente Ampla, o deputado maranhense Renato Archer, teriam seus direitos políticos cassados.
Os que hoje se recusam a caminhar juntos pelas ruas, praças e avenidas deste País deveriam bebericar nas lições que a Frente Ampla deixou para a história. Dezesseis meses de agonia, por falta de capacidade de “ater seu juízo ao juízo de outros possíveis e de se colocar no lugar de cada um dos outros”, como dizia Hannah Arendt, podem ser transformados em décadas de escuridão. Nessas circunstâncias, o fracasso do poder político que se manifesta como vontade comum formada numa comunicação não coagida cede passo à violência, que permite impor a vontade própria contra vontade opostas.
Não podemos permitir que isso aconteça no Brasil.
* Advogado, Mestre em Direito Constitucional (UFMG)