O tiro saiu pela culatra. Em seu artigo esta semana publicado no Estadão, o vice-presidente Hamilton Mourão deu seu recado ao presidente sobre a inconveniência das manifestações de rua de seus seguidores, mas sua sutileza alarmou e deu munição para tantos jovens analistas. Entretanto, os velhos sobreviventes da imprensa dos anos de chumbo aprenderam a ler o subtexto, ou a ambiguidade das notas públicas e manifestações de figurões dos tempos da ditadura. Escreviam uma coisa para que se entendesse outra. É o caso.
Em seu artigo, o general adverte ao capitão que ele, como ousado paraquedista, avançou muito além do objetivo estratégico, servindo, com seu movimento, para a alertar o inimigo. Ou seja, indo para as ruas do jeito que vão, os bolsonaristas, em vez de fortalecerem-se, estão a soprar as cinzas dos fogões da esquerda, reavivando brasas adormecidas. Gol contra.
Mourão sugere que foi ingenuidade política dos filhos do presidente imaginar que as militâncias governistas ficariam com o monopólio das ruas só para si. Os garotos e seus parceiros das redes sociais se esqueceram de combinar com os russos.
As esquerdas, nesses momentos, estavam enroladas com suas crises internas, procurando rearrumar-se a tempo para as eleições. Em meio à pandemia, atrapalhadas com seus líderes e operadores contidos por isolamentos e concentração das atenções em quarentenas e remédios mágicos, a oposição custou a se rearticular para ir às praças públicas fazer o contraponto. Demorou, mas veio a resposta.
Domingo último, ali na avenida Paulista, atual epicentro das manifestações políticas no País (tomou o lugar da Cinelândia, nos tempos da velha capital), já apareceram os primeiros black blocks a tocar fogo no lixo e quebrar as vidraças de bancos e comércio. Indo às ruas, os vandalistas estão chamando a polícia e as bombas de gás lacrimogênio. Atiçando repercussão negativa no Brasil e no mundo. É o que eles querem, dá a entender o artigo.
Para isto que adverte o vice-presidente: gol contra. Parece que Bolsonaro ouviu, pois falou pedindo a seus seguidores que deem um tempo.
Sem um partido próprio para participar das eleições municipais, e dependendo de vitórias de aliados nas grandes cidades, para dar continuidade à sua campanha pela reeleição, o presidente da República encorajou seus adeptos a correrem à margem do sistema político. Com isto, abriu novo espaço fora de hora.
Como em política não existe espaço vazio, logo a oposição tomou posição, criando uma situação de confronto aberto em momento inoportuno. O general Mourão, colega de Bolsonaro na arma de artilharia, sugere, nas entrelinhas, que uso da munição errada pode inutilizar a peça e, até, ferir seus servidores. Como nos velhos tempos de leitura de ordens do dia dos quartéis, é preciso de lupa para ler os textos dos generais quando falam para dentro. Certamente essa língua Jair Bolsonaro entende. A ver.