58.208 vagas de vereador estiveram em jogo na eleição desse ano coronavírico que estamos vivendo, ou melhor, tentando sobreviver. Juntamente com 5.568 mil prefeitos, nas capitais e municípios de grande, médio ou pequeno porte. Eleição maior do que essa talvez só na Índia. A China é um país ainda bem maior, mas lá não tem eleição nenhuma. A nossa eleição foi uma das maiores do mundo. Só assim, sem concorrentes, o Brasil consegue um primeiro lugar. Campeão só em disputas de índice per capita de corrupção e criminalidade.
A nossa eleição foi particularmente inovadora, mas teve abstenção razoavelmente elevada. Os partidos participantes foram mais de 30, e cada eleitor, ao entrar na sala de votação, recebia uma lista oficial com o nome de todos, para não se confundir e votar errado. A simples existência de tantas legendas já confunde a cabeça dos cidadãos. Os vereadores, de todo o país, em sua grande maioria não correspondem às eventuais expectativas dos cidadãos de cada município.
A grande maioria, na realidade, pelo que produzem em favor da comunidade que os elegeu, nem deveria receber salário, ou subsídios, como chamam a recompensa financeira que recebem. Nas grandes cidades, recebem elevados proventos, além de outras vantagens, como acontece em todo o Poder Legislativo brasileiro. E os vereadores, boa parte deles eleitos com base em campanhas populistas e até grosseiras, com demonstrações explícitas de má educação e apelidos chulos, expressam o claro interesse em se eleger para ganhar dinheiro e se aproveitar de vantagens.
Apesar desses problemas, comuns a qualquer país, pode ter havido algum progresso nesse último pleito, pelo lado humano. Houve vários exemplos de personagens que ganharam expressão e o direito de lutar por seus direitos, obtendo o reconhecimento da sociedade. A despeito de preconceitos e violências, várias delas se elegeram e demonstraram coragem. Em suas primeiras declarações e entrevistas, bom nível de conhecimento político e social , demonstrando a possibilidade de realizar um corajoso trabalho na área política e social. Assim, alguns transexuais ou sexuaistrans bem eleitos estão incorporados (as) à vida política brasileira, e merecem o respeito devido a todas as Vossas Excelências da política.
A atividade legislativa municipal é dos passos iniciais na vida política, tratando-se da representação dos cidadãos e cidadãs de cada cidade. Daí evoluem para outras representações nas Câmaras Estaduais e Federal, ou mesmo o Senado e cargos executivos. A baixa qualidade moral e intelectual dessas representações em várias décadas passadas, fez com que a população demonstrasse revolta e levasse os vereadores simplesmente na troça. Daí à quase desmoralização total do poder legislativo municipal. Jogadores de futebol, cantores, qualquer pessoa que se considerasse conhecida da população se candidatava a vereador. E às vezes levavam.
Chegou ao ponto de haver revolta popular com a apresentação de candidaturas no mínimo esdrúxulas, como aconteceu em São Paulo, em 1959. Irritados com os candidatos pretensiosos e desqualificados, grupos revoltados da sociedade se uniram e conseguiram, de verdade, apresentar um animal como candidato a vereador. Não um animalzinho qualquer, obviamente. A convenção escolheu bem: nada menos que um rinoceronte do zoológico de São Paulo. Logo tornado popular e sucesso também como marcha carnavalesca. Pelos votos obtidos, mais de cem mil, foi eleito. O nome de sua nova Excelência gigante era Cacareco. E o slogan, de moralização: – Cacareco de ninguém tem dó.
O Rio também teve, em 1988, candidato do mesmo naipe: o Macaco Tião. Não foi eleito para a prefeitura carioca, mas obteve 400 mil votos.
Entre os pouquíssimos vereadores que chegaram ao ápice da carreira política começando pela vereança, um se destacou pelas excentricidades. Foi o famoso Jânio Quadros, descabelado, vassoura na mão, apreciador de uísque, carreira fulminante: por São Paulo, vereador, prefeito, governador, e depois presidente da República, tudo em seguida. Mas cansou e sete meses depois renunciou. Até hoje não se sabe a razão. Ele próprio não soube explicar. Assim, o vereador Jânio deixou de ser um exemplo para a classe.
Espera-se que nesta nova leva de vereadores, e com novidades inclusive fisiológicas e de gênero sexual, aconteça uma bela surpresa para os milhões de brasileiros que passaram um dia entregues às urnas eletrônicas na quais todos os brasileiros confiam. Menos o Bolsonaro, que não confia no modernismo eleitoral brasileiro, assim como Trump, seu amigo e guru, também não acredita na eleição americana.
— José Fonseca Filho é Jornalista