Cabo Frio (RJ), outubro de 1979. Florianópolis (SC), setembro de 2020. O que pode haver em comum essas duas datas e esses dois lugares? É que na capital de Santa Catarina repetiu-se 41 anos depois, no julgamento de André Camargo Aranha, acusado de estuprar a blogueira Mariana Ferrer, o espetáculo de uma vítima ser transformada em réu em um tribunal, como foi em 79, no julgamento de Doca Street, assassino de Ângela Diniz.
Em Cabo Frio, do longínquo 1979, Doca Street, assassino de Ângela Diniz, foi transformado em vítima, enquanto a morta sentou-se no banco dos réus, teve sua vida devassada e transformada em pessoa promíscua pelo hábil criminalista Evandro Lins e Silva. Ele usou a tese da legítima defesa da honra. Brilhante defesa. Doca foi condenado a dois anos de prisão com direito a suspensão condicional da pena, ou seja, não ficaria detido.
Eu, uma menina, entrando na adolescência, não entendia direito, mas achava que as coisas não se encaixavam, já que na minha lógica o assassino não era herói. Anos depois, já adulta, encontrei o doutor Evandro. Não tive dúvida, perguntei ao famoso advogado se ele não se envergonhava do que fez. Bem, foi apenas a forma que encontrei de colocar para fora a raiva que senti anos atrás ao descobrir a existência do machismo.
Século XXI, 2020, repete-se a humilhação de uma mulher, usando-se para isso a sua conduta. Mariana Ferrer certamente buscou a Justiça esperando acolhimento, reparação para o estupro o qual disse ter sido vítima. Mas a audiência na 3ª Vara Criminal de Santa Catarina parecia a volta a 1979. Cláudio Gastão da Rosa Filho, advogado do acusado, exibiu fotos sensuais feitas por Mariana Ferrer quando esta era modelo, e afirmou: “Jamais teria uma filha” do “nível” da vítima. Quando a moça completamente humilhada começou a chorar, ele ainda tripudiou: “Não adianta vir com esse teu choro dissimulado, falso e essa lábia de crocodilo”.
Todos impassíveis na audiência. Todos homens. Ninguém na defesa da vítima. O promotor – cujo papel é acusar – pediu a absolvição do réu por falta de provas. Mariana teve que implorar por respeito. Ao final, na sentença, o juiz Rudson Marcos concluiu que não havia provas suficientes para a condenação, além da palavra da vítima. Desta forma, melhor inocentar André Camargo. Chego à conclusão que, em 41 anos, o machismo no Brasil continua o mesmo. Se eu encontrasse esse advogado por aí perguntaria se ele não se envergonha do que fez.