Acontecimentos de 8 de janeiro

Os bastidores da invasão da Praça dos Três Poderes permanecem na penumbra. O que se percebe é que houve omissão da governança federal e distrital na complicada transição do bolsonarismo para o lulismo.

Manifestantes invadem Congresso, STF e Palácio do Planalto - Foto Marcelo Camargo/Agência Brasil

Continuam a repercutir os dramáticos acontecimentos de 8 de janeiro, quando a turba enfurecida tomou de assalto a Praça dos Três Poderes. Descontrolada, obedecendo os mais baixos instintos, invadiu e depredou instalações do Poder Legislativo, o Palácio do Planalto e o edifício do Supremo Tribunal Federal.

Prédios da Suprema Corte e do Congresso Nacional brasilianos vistos a partir do Palácio do Planalto – Foto: Agência Senado / Marcos Oliveira

Sob a moldura jurídica, a parcela visível dos envolvidos foi identificada e denunciada ao Poder Judiciário. Os bastidores, porém, permanecem na penumbra, à espera. A capital da República, construída pelo presidente Juscelino Kubitschek, é símbolo da Pátria. A Praça dos Três Poderes, com austeridade arquitetônica, deveria refletir os sentimentos de unidade, independência e harmonia entre o Poder Legislativo, o Poder Executivo e o Poder Judiciário.

Nada pior do que a acefalia do Poder. Quando acontece, o vazio passa às mãos de algum aventureiro, ou resulta em convulsão anárquica, que entrega às massas insurgentes o comando da situação.

Na noite de 14 de março de 1985, ao circularem notícias da internação do presidente Tancredo Neves no Hospital de Base, e de que seria submetido a cirurgia, a primeira preocupação consistiu em definir quem lhe ocuparia o lugar. O regime militar agonizava, mas não estava extinto. Militares do governo do presidente João Figueiredo permaneciam no comando de grandes unidades. O tempo corria e era prioritário encontrar solução. Após poucas horas de indecisão, resolveu-se que assumiria o vice-presidente José Sarney. Minutos antes da hospitalização, Tancredo Neves tinha nomeado o novo ministério. Embora não empossado, o general Leônidas Pires Gonçalves assumiu o Ministério do Exército e, sem enfrentar oposição, reconheceu José Sarney como presidente da República e comandante das Forças Armadas.

É prematuro tentar entender o que aconteceu entre o melancólico final do governo de Jair Bolsonaro e o começo do terceiro mandato de Luís Inácio Lula da Silva. As eleições de 30 de outubro haviam consolidado a divisão do País. Derrotado, inconformado e moralmente debilitado, Jair Bolsonaro se recolheu ao silêncio no Palácio da Alvorada, e entregou a Nação à própria sorte. Para não passar a faixa presidencial ao vencedor, deixou o Brasil no dia 30 de dezembro e se refugiou nos Estados Unidos.

O novo governo, porém, estava apenas na expectativa de assumir o poder. Lula não tomou a atitude de Tancredo Neves. Nos primeiros dias de janeiro o ministério não estava definido. Os partidos que o elegeram criavam problemas de governabilidade. Havia dúvidas sobre os militares que comandariam o Exército, a Marinha, a Aeronáutica. Ignoravam-se os nomes do Ministro da Defesa e do diretor da Polícia Federal. O Gabinete de Segurança Institucional (GSI) estava desmobilizado. O general Hamilton Mourão, vice-presidente da República até 31 de dezembro, senador eleito, mas não empossado, recolheu-se ao silêncio maçônico. Se havia assumido a presidência, na vacância de Jair Bolsonaro, ninguém saberia dizer.

A polarização política mantinha o País bipartido. Acreditava-se que a passagem de governo aconteceria em clima de insegurança e talvez de violência. Como paliativo, no dia 28 de dezembro foi proibido porte de armas em Brasília.

Jornais, emissoras de rádio e de televisão, redes sociais, e o boca a boca, informavam que milhares de bolsonaristas estavam a caminho de Brasília valendo-se aviões comerciais e particulares, ônibus, automóveis, motocicletas. Nas imediações de quarteis se aglomeravam manifestantes para exigir a intervenção das Forçar Armadas.

Governador do Distrito Federal, Ibanes Rocha – Foto Orlando Brito

O governador Ibaneis Rocha não esteve à altura das exigências do momento. Desde que a Constituição de 1988 incidiu no erro permitir ao Distrito Federal eleger governador e deputados distritais, o brasiliense sempre escolheu mal. Como depois se constatou, perdera o comando da Polícia Militar suspeita de bolsonarismo, como outras polícias militares de diversos estados.

A ausência de governos federal e distrital, agravada pelo sumiço do presidente da Câmara dos Deputados, do Senado, e do Supremo Tribunal Federal, em momento de complicada transição do bolsonarismo para o lulismo, criou o vácuo perfeito para a revolta popular.

Manifestantes invadem Congresso, STF e Palácio do Planalto – Foto Marcelo Camargo/Agência Brasil

Os responsáveis pela governança estavam em lugar incerto e não sabido enquanto a Praça dos Três Poderes era invadida, ocupada e depredada por multidão anárquica. Lula e o ministério em formação acordaram de prolongada letargia depois que o pior havia sido feito. A responsabilidade recaiu sobre o povo incauto e amotinado.

Disse o pe. Vieira que a omissão é o pecado que com mais facilidade se comete e raramente se emenda. Foi o que aconteceu.

– Almir Pazzianotto Pinto é Advogado. Foi Ministro do Trabalho e presidente do Tribunal Superior do Trabalho. Autor de A Falsa República.

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