Coloco-me na posição do cidadão comum, que enfrenta toda sorte de dificuldades para dar conta das obrigações com a família, a sociedade e o Estado e imaginar como reage diante da decisão do ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal (STF). Mediante despacho em Embargos de Declaração, S. Exa. volta atrás e anula quatro condenações impostas a Luiz Inácio Lula da Silva por corrupção ativa e passiva, como presidente da República.
Ao longo de vários anos o cidadão acompanhou a marcha dos processos, presididos pelo juiz Sérgio Moro. A Operação Lava Jato sacudiu a opinião pública nacional. Pela primeira vez, corrupção em larga escala era escancarada com documentos, delações e depoimentos de dirigentes de grandes empresas. A podridão nas altas esferas do governo, na Petrobrás, Banco do Brasil, em empreiteiras de obras públicas viciadas na prática de pagamentos de propinas, foi apurada com detalhes e resultou em prisões, condenações, conflitos familiares, quebras de empresas, destruição de reputações, desemprego, descrédito do PT. São prejuízos reais que a nulidade dos processos não conseguirá atenuar.
A população ordeira, honesta, trabalhadora, sente-se enganada. Tudo não teria passado de trágica farsa, encenada para iludir a quem acreditava no Poder Judiciário. O prolixo despacho de 46 folhas do ministro Edson Fachin, não analisa provas. Passa ao largo das questões de fundo. Revoga decisões da 13ª Vara Federal de Curitiba relativas ao triplex do Guarujá (confirmada em segunda e terceira instâncias pelo Superior Tribunal de Justiça), ao sítio de Atibaia (mantida pelo TRF-Paraná) e duas envolvendo repasses da Odebrecht ao Instituto Lula. Determina que os feitos engatem marcha a ré para redistribuição a alguma das Varas da Justiça Federal de Brasília, “podendo o juízo competente decidir acerca da possibilidade de convalidação dos atos instrutórios”.
Exa. não desqualifica as provas nem sustenta que Luís Inácio Lula da Silva foi prejudicado no exercício do amplo direito de defesa. Limita-se à matéria processual – preliminar de incompetência em razão do local onde as ações foram processadas – para anular condenações e devolver os processos à estaca zero. Consumiu vários anos em tarefa que poderia ser encerrada em 30 dias, com despacho de duas folhas.
Ensina a ciência do processo civil ou criminal, que nulidade só se decreta quando causa prejuízo irreparável. O artigo 566 do Código de Processo Penal (CPP) é claro: “Não será declarada a nulidade processual que não houver influído na apuração da verdade substancial ou na decisão da causa”. Compete ao juiz desenvolver esforços no sentido de preservar o processo, sobretudo após a confirmação da sentença em segundo e terceiro graus de jurisdição. Obedecer a regra segundo a qual não há nulidade quando não houver prejuízo em aspecto essencial para o réu.
O alvo do despacho é o Dr. Sérgio Moro, cujo único erro teria sido a condenação de Lula. Assim pensa o ministro Gilmar Mendes, quando o acusa de parcialidade e o condena por suspeição, mas após o julgamento. Houvesse a decisão sido pela absolvição, como reagiria o STF? Foram parciais os desembargadores do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, ao confirmarem por unanimidade decisões da 13ª Vara? A mesma pergunta faço em relação aos Ministros do Superior Tribunal de Justiça, que mantiveram a sentença referente ao sítio de Atibaia.
Sérgio Moro recebeu os processos porque lhes foram distribuídos por via eletrônica. Poderiam ter ido às mãos de outro magistrado. Enfrentou a tarefa de julgar ex-presidente da República e ídolo popular. O que mais poderia fazer, além de sentenciar? Dar-se por suspeito? Qual a razão? A força das sentenças reside na fundamentação, ensinam os bons processualistas. As condenações estão mal fundamentadas? Não é o que dizem os ministros Fachin e Gilmar Mendes, em constantes entrevistas.
Para alguns integrantes do Supremo Tribunal Federal seria necessário encontrar o bode expiatório. Sacrifique-se, portanto, o Dr. Sérgio Moro porque, ao receber a primeira distribuição, não fugiu, não tremeu, não vacilou, diante da tarefa de que foi investido pelo Código de Processo Penal. Se acaso as decisões estavam erradas, competia à segunda ou à terceira instância reformá-las. Não foi o que aconteceu.
Estamos diante de erros judiciais cometidos com os olhos voltados às eleições de 2022. Quem se beneficiará? É a pergunta feita por jornalistas, políticos e juristas insuspeitos. E o povo iludido, o que pensará de tudo isso?
— Almir Pazzianotto Pinto é Advogado. Foi ministro do Trabalho. Ex-presidente do Tribunal Superior do Trabalho