Quem manda no Brasil não é um homem ou um grupelho imbatível nas imoralidades e pilhagens, há séculos. Ambos situam-se num processo social. Processo mais direto, vertical e heterônomo no escravismo colonial e imperial, tornando-se algo mais indireto, horizontal ou transversal na “República”. A restrição pública ou coisa pública ainda é atravessada por negociatas de todos os tipos.
Nossa República é profundamente antirrepublicana por força do sistema de poder consolidado nas múltiplas maneiras estamentais e corporativas que demarcam as trocas venais entre o privado e o público. O golpe militar que instaurou a República somente sofisticou essa tradição de fazer dos espaços públicos uma extensão dos interesses particulares.
A dominação também se legitima com uma dada forma explícita ou dissimulada de confirmação/reprodução cultural, produzindo o amor pelos algozes. Sem essa identidade Hitler e Stálin seriam no máximo palhaços de circo decadente em beira de estradas.
Na diferenciação geral típica da sociedade de mercado a ideia de elites, não afastando o conceito de classes, o torna mais complexo e confuso, abarcando aqueles grupos organizados que detém e manipulam o poder em nome dos trabalhadores. Confusão não para Marx, mas para seus discípulos: imaginar que os maiores fundos são os de pensão. Como repensar conceitualmente as mudanças?
O apelo ao contorcionismo de alguma tradição perdida não geraria tantos dividendos nas urnas. Tampouco o recurso às sucessivas reparações de danos que aprofundam o déficit de direitos ao derreter dos acordos por cima (leia-se, pró capitalismo perverso em detrimento da vida da população carente de dignidade).
Aliás, todos os sicários de ideologias rotas são humanos, roubam, negociam, mentem, falham, mas refletem e incidem, conectando indivíduos à ideias ou doutrinas “adormecidas” já presentes de alguma maneira no senso comum de suas consciências. Sonhos e vozes são vencidos nesse moedor de gente e coisas.
A outorga a líderes improváveis a zombar de milhões por seus absurdos é parte desse labirinto de horrores da política em tempos loucos nos quais as mais nobres utopias tornam-se um invólucro de substratos cada vez mais desconexos com o real.
Apresentam-se e se representam como enviados do progresso. E são seguidos por milhões.
Os números empatados da disputa presidencial de 2022 indicam somente a ponta do iceberg do que é de fato a estrutura social. Esta é pesada em distorções e fraturas. É o ponto de partida. Para agir.
Deixar de acreditar no progresso pode levar ao comodismo do niilismo quase paralisante. Mas também pode funcionar para afastar grandes ilusões que não cansam de expressar desilusões avassaladoras. Acreditar acriticamente, depois de tudo o que já se sabe de Bolsonaro e Lula é no mínimo um autoengano, uma infantilização propícia para não avançar na democratização.
A Democratização de indivíduos, grupos, instituições, organizações toma muito tempo. Seres humanos, sociedade, mercado, estado, política, todos se encontram imersos numa regressão, ok. Ela anestesia, causa transtornos cognitivos e afetivos. Para sair desse atoleiro há que se livrar das mochilas das péssimas tradições. Isso tomará décadas.
O grande leimotif do Brasil será a ECONOMIA. E tudo indica PIB de 2%, crescendo nos próximos anos pra 3%, 4% e quase 5% em 2026, o que colocará Lula como uma força para a reeleição. Lula só perde se houver desastre econômico, o que é improvável, mas possível. Bolsonaro perderá força se a economia se reerguer ou ficará robusto se a vaca for pro brejo. Não tenho simpatias por Lula tampouco por Bolsonaro, nem os coloco no mesmo balaio de gatos. Lula não é obscurantista ou genocida mas reproduz velhos arcaísmos e equívocos mais próximos no tempo, a exemplo dos elogios à Maduro e na relativização da democracia.
Torço para o sucesso do Brasil. O Brasil é muito maior que suas elites arcaicas, corruptas, populistas, pois as forças do real progresso também estão dadas como possibilidade histórica de superação de tantas manifestações do absurdo.
*Edmundo Lima de Arruda Jr
28.6.2023