Que a educação brasileira é um problema crônico, já se sabe. Gravíssimo é ver o quanto piorou neste governo. O presidente Jair Bolsonaro tirou da cartola – por sugestão de algum marqueteiro ou político do Centrão (ora veja) um mantra que passou a repetir por onde anda: estamos há três anos e três meses sem corrupção neste governo. A despeito das rachadinhas, funcionários fantasmas, vacinas superfaturadas, orçamento secreto e agora o grande e inequívoco escândalo no Ministério da Educação.
É bom que se diga em alto e bom som para que Jair Bolsonaro possa ouvir: corrupção, senhor presidente, não é apenas roubar a Petrobras. Isso é crime, sim. Mas, além dos problemas já citados, corrupção é também a corrupção de valores e prioridades. E a Educação, segundo dizem 11 entre 10 políticos, é a principal delas. Ou deveria ser, não é mesmo?
O que veremos ao final deste governo é o total desmantelamento do ministério da Educação – talvez pior do que vem ocorrendo na área do meio ambiente. Não apenas porque lá passaram os mais incapazes e trapalhões escolhidos pelo presidente, com aconselhamento das bancadas evangélicas e do setor dito ideológico (melhor seria reacionário) do governo. Talvez a melhor escolha tenha sido a de Carlos Decotelli, até porque ficou apenas um dia.
O sequestro da pasta da Educação por esses setores retrógrados não se reflete apenas na adoção de pautas conservadoras, mas também na falta de ação – como se viu durante a pandemia – e no desmonte de órgãos importantes na sua estrutura. Há ainda um apagão de dados; um retrocesso ao que vinha sendo construído a duras penas desde a década de 1990. Sem eles, não há como elaborar bons programas e estabelecer as tais políticas públicas. O sistema de avaliação está comprometido, bem como os órgãos internos que cuidavam dessas e outras tarefas. Dados sobre provas, estudos e censos estão sendo escondidos; sem eles, como avaliar o passado, pensar o presente e projetar o futuro?
Outros dados
Mas há outros. E são igualmente chocantes. Estes poucos exemplos foram recolhidos da ótima coluna de Fernando Schüller na Veja desta semana: menos de 4% dos alunos do ensino médio de São Paulo, em 2021, terminaram o ciclo com conhecimento tido como adequado em matemática. O número de estudantes de 6 e 7 anos que não sabem ler e escrever aumentou mais de 66% de 2019 a 2021; milhões ficaram sem aulas ou receberam um péssimo ensino à distância, com parco acesso à internet e computadores. Tem-se que 84% dos estudantes brasileiros são atendidos pela rede pública, que apresenta resultados bem abaixo das escolas privadas.
E é este setor que virou moeda de troca. Literalmente. Além do aparelhamento dos cargos na enorme estrutura do MEC pelo pior fisiologismo, vemos agora pastores larápios pedindo propina para prefeitos em troca de verbas. Pode ser em ouro, inclusive.
Pois é, não tem dinheiro na cueca, como gostam de lembrar os bolsonaristas. Mas tem troca de verba por ouro e bíblia. O que mais ainda veremos?
A boiada passa
E assim, como quis fazer Ricardo Salles na área ambiental, a boiada vai passando. Se não fossem alguns providenciais vídeos, a incontida vontade de gestores de mostrarem serviço postando suas viagens a Brasília nas redes sociais e, claro, o trabalho da imprensa profissional, o desastre continuaria.
Com a maior desfaçatez, o ministro Milton Ribeiro (muitos se perguntam quais eram suas credenciais para ocupar o cargo; agora já se sabe) diz que não foi bem assim e que pediu investigações há mais de seis meses (cadê os resultados?). Não respondeu a boa parte das questões e mentiu sobre outras. Mentira, em outros tempos, já seria o suficiente para a demissão.
A natureza, sabemos, é resiliente. Já vimos o Pantanal renascer das cinzas. Com muito trabalho e dedicação, quem sabe será possível reverter o estrago causado nos últimos três anos. Mas os humanos talvez não sejam tanto assim, sobretudo as crianças, privadas do desenvolvimento normal em seus estudos. O dano, neste caso, pode ser irrecuperável. A conta desta tragédia quem paga é o país; os culpados, sabemos quem são.
PS: Que o período eleitoral traga um debate profundo a respeito do tema. O candidato que apresentar uma proposta factível, inovadora, que não se restrinja a atender demandas corporativas ou buscar mais recursos para a Educação (os que temos são suficientes), para nos tirar deste imenso apagão, tem 70% de chance de ter meu voto.