Acredito que todos conhecem ou já ouviram falar do camaleão. Trata-se de pequeno lagarto da família dos répteis, encontrado na Europa, Ásia, África, México, Brasil. Está presente nos diversos países dos cinco continentes.
A característica desta espécie do reino animal consiste na capacidade de mudar de cor, para se adaptar a diferentes ambientes. Altera do amarelo ao verde, ao vermelho, segundo a necessidade ou conveniência. Com língua longa, pegajosa, flexível, é capaz de capturar vítimas a considerável distância. Nada mais camaleônico do que o Centrão.
Outro animal dotado de recursos de camuflagem é o polvo, sobre o qual escreveu o
: “O polvo com o seu capelo parece um monge; com aqueles seus raios estendidos, parece uma estrela; com aquele não ter osso nem espinha, parece a mesma brandura, a mesma mansidão. E debaixo desta aparência tão modesta, ou desta hipocrisia tão santa, (…) o dito polvo é o maior traidor do mar” (Sermão de Santo António, 1654, Sermões, vol. VII, Ed. Lello & Irmão, Porto, 1959, pág. 275).
No plano político o Brasil pode ser considerado a república de polvos e camaleões. A leviandade que caracteriza o regime pluripartidário, financiado pelo Fundo Partidário e enriquecido graças ao dinheiro destinado ao Financiamento de Campanha, afastou homens e mulheres de bem, temerosos do contágio, para abril espaço a camaleões e polvos exploradores da política como vulgar balcão de negócios.
A decadência a que fomos condenados traz à memória a imagem de Portugal, tal como a desenharam Eça de Queiroz e Ramalho Ortigão em Uma Campanha Alegre: “O País perdeu a inteligência e a consciência moral. Os costumes estão dissolvidos e os caracteres corrompidos. A prática da vida tem por única direção a conveniência. Não há princípio que não seja desmentido, nem instituição que não seja escarnecida. Ninguém se respeita. Não existe nenhuma solidariedade entre os cidadãos. Já se não crê na honestidade dos homens públicos” (Obras Completas, Lello & Irmão, Porto, vol. III, pág. 959).
O cenário político brasileiro, sobretudo nas últimas décadas, está repleto de camaleões e polvos. Não darei nomes. Os leitores saberão identificá-los, sem necessitar de ajuda. O troca-troca de legendas é feito de maneira despudorada. Alguns ditos notáveis mudaram de legenda, em curto espaço de tempo, três, quatro, cinco vezes, ou mais. O inimigo de eleições passadas é convertido em repentino aliado. A barganha tem o aval da lei e da Justiça Eleitoral. Para conferir foros de legitimidade ao negócio, não se usam de meias-palavras. A posição de vice, a vaga para o senado, cadeira na Câmara dos Deputados, são moedas usadas no submundo da política com absoluta naturalidade.
Temos legendas fundadas com o simples objetivo de participarem da bolsa de valores eleitorais. Não aspiram a presidência da República ou governos de Estados. Sabem que não têm cacife para corridas de longa distância. Para isso não foram criadas. Aguardam pacientemente, como animal predador, pelo momento favorável ao ataque. Quando algum partido maior necessitar de ajuda, é chegado o momento para avançar e tirar vantagem da situação.
Ser camaleão ou polvo é repugnante, mas não é crime. Trata-se de costume difundido pela inexistência do requisito integridade de caráter, no Código Eleitoral e na Lei Orgânica dos Partidos Políticos. O presidente Jair Bolsonaro também pertence à família dos chamaeleonidiae, cuja expansão se deve a amorfo lumpem-eleitorado.
A prática, pouco usual antes de 1964, se revelou frequente após a redemocratização. Criados no governo Castelo Branco, ARENA e MDN não tiverem o tempo necessário para acumularem tradições. Recordo-me das defecções na bancada estadual do MDB em 1979, provocadas por Paulo Maluf, em troca de possíveis vantagens. As siglas surgidas após a redemocratização são em geral volúveis e os líderes se revelam insaciáveis na busca de dinheiro e poder. Inquéritos policiais e denúncias formuladas pelo Ministério Público são frequentes. Como, porém, de hábito, prevalece a impunidade.
Eça de Queiroz, com aguda observação crítica, escreveu em 1872: “A política é a ocupação dos ociosos, a ciência dos ignorantes, a riqueza dos pobres”. Parece-me que o quadro partidário de hoje ainda lhe confere razão.
— Almir Pazzianotto Pinto é Advogado. Foi Ministro do Trabalho e presidente do Tribunal Superior do Trabalho