O julgamento da população em geral sobre o Congresso Nacional traz distorções significativas pela falta de entendimento de como ele funciona e como é o comportamento de cada um dos seus participantes. Prevalece muito a ideia de corrupção generalizada e de que a única maneira de relacionamento entre Executivo e Congresso seria um toma-lá-dá- cá espúrio.
Claro que existe corrupção, claro que há interesses espúrios na ocupação de cargos e – é inominável – no lobby para criar ou alterar leis, mas há muitas outras realidades nessa relação.
Além de exercer devidamente o seu mandato, uma grande preocupação de todo político é conseguir se reeleger. Para isso, ele precisa mostrar serviço para sua base eleitoral. Os votos de cada deputado e senador vêm de fontes diferentes. Podem ser apoiados por uma região, uma corporação, uma causa ou por setores econômicos ou sociais. No Congresso eles estão em partidos que se organizam por ideologia, por circunstâncias regionais ou até pela proximidade do poder. Mas eles também se organizam informalmente, por interesses temáticos, como acontece, por exemplo, com as conhecidas bancadas da bala, da bola, do boi ou da bíblia.
As grandes reformas que precisam ser feitas, normalmente têm uma abrangência onde alguns grupos perdem e outros ganham, pelo menos no curto prazo. Quem vai perder ou tem a impressão que vai perder mobiliza os parlamentares que elegeu. Nesse emaranhado de interesses legítimos é fundamental o diálogo, a negociação, o entendimento de cada posição, muitas vezes individual, e exige um trabalho obsessivo do poder executivo para aprovar projetos relevantes.
No passado, o Congresso era composto por uma elite onde predominavam advogados, médicos, engenheiros e jornalistas, elite que de alguma forma partilhava o poder. Houve uma democratização desse poder. Hoje há também pastores, esportistas, professores, agricultores, artistas, técnicos em geral, uma maior diversidade de gênero e raça e uma maior pauta de interesses da população. Isso aumentou a dificuldade de consensos, exigindo mais articulação ainda, além do problema atual do excesso de partidos representados, cada um com uma liderança para ser conversada.
O convencimento dos parlamentares varia. Em alguns temas os partidos conseguem articular uma posição, em outros as bancadas temáticas prevalecem, em outros a articulação é por estado ou região. Nas votações mais sensíveis, as posições individuais são disputadas. Nesse caso há parlamentares que se sensibilizam até por um convite para almoço, uma participação em inaugurações, uma obra em seu reduto, enfim uma atenção especial, com um selfie para divulgar. Outros querem disputar a indicação em cargos, para formar quadros para o partido ou para aproveitar o poder discricionário dos burocratas que conseguem levar a máquina de ministérios e empresas públicas para próximo do interesse dos seus eleitores. Se não for para roubar é legítimo.
Com essa complexidade de interesses e motivações, entende-se que não faz sentido o poder executivo enviar projetos para o Congresso Nacional e esperar simplesmente que julguem e aprovem, e se não aprovarem a culpa é do Congresso. A relação exige um corpo-a-corpo comandado pelo executivo que não necessariamente passa por toma-lá-dá-cá espúrio como muitos imaginam ou usam para justificar a própria inoperância ou inaptidão para o jogo democrático.
As possibilidades de corrupção foram duramente atingidas pela Lava Jato e não se pode relaxar, mas há que se entender que o Congresso é um agregado de interesses e de posições e que os presidentes das Casas têm poder de articulação, mas são coordenadores, não têm poder de dirigir as decisões mais complexas – ninguém manda em ninguém no Congresso. As disputas por posições na mesa e nas presidências e relatorias de comissões dão visibilidade e influência e fazem parte do processo.
Negociações entre Executivo e Parlamento acontecem em todos os países democráticos, é a regra do jogo.