Um político das antigas, a quem poderíamos chamar de “raposa felpuda”, fez recentemente um diagnóstico sobre o presidente Jair Bolsonaro: o que mais me impressiona nele, disse, é sua incrível capacidade de negar hoje o que disse ontem, ou de esquecer o que falou.
Os sites de checagem de notícias já se cansaram de fazer análises sobre pronunciamentos do presidente e apontar as mentiras, inverdades ou distorções naquilo que ele diz. Claro que ele não se importa.
O presidente mente que nem sente. É da natureza do escorpião. E isso não muda.
Bolsonaro não gosta de dar entrevistas – abre exceções para alguns escolhidos ou como, agora, ao avaliar os mil dias no cargo. Aliás, não gosta muito de jornalistas, principalmente mulheres, a não ser que sejam os “do seu lado”.
No início do mandato, ele bem que tentou. Organizados pelo então porta-voz, general Rego Barros, houve alguns encontros com jornalistas. Duraram pouco, como o general na função.
Ele gosta de falar para os convertidos, no seu patético cercadinho na porta do Palácio da Alvorada, ou nas suas lives, onde não há contestação. De qualquer maneira, são sempre reveladoras as frases que se pode pinçar nessas oportunidades. Falou-se muito que sua entrevista à revista Veja foi “chapa-branca”, sem que ele fosse colocado contra a parede. A conversa não passaria da primeira pergunta se se refutasse cada mentira dita.
Peguemos uma de menor poder ofensivo: “eu desligo o aquecimento da piscina, não uso cartão corporativo, não pedi aposentadoria na Câmara, não dou motivo”. Quantas vezes já se disse que a piscina do Alvorada tem aquecimento solar? E o uso da verba de gabinete “pra comer gente” ou, pior, para o nefasto instrumento da rachadinha?
Não adianta confrontá-lo com a verdade. Ele simplesmente a desconhece. Sobretudo na questão da pandemia. “Não errei em nada”, afirmou ali e em outras ocasiões. Falar o quê? Quando tantos já o contestaram, quando os trágicos números o desmentem diariamente? O que dizer quando o presidente do país afirma que as pessoas morrem porque ficaram obesas em casa, obedecendo ao isolamento? Fora todas as barbaridades que ele insiste em dizer sobre as vacinas, seja sobre sua eficácia, seja sobre o momento da aquisição, seja pelas suspeitas de fraudes. Da campanha eleitoral pra cá, é infinita a lista do que Bolsonaro disse que ia fazer – ou que não ia – e a realidade mostrou o contrário. A começar pela promessa de não disputar a reeleição. Ou a recusa ao toma lá-dá cá.
Sem contar a quantidade de vezes em que jogou a culpa de qualquer coisa em todos e qualquer um – em especial nos governadores e nos prefeitos –, a questão aqui é o apreço (ou desapreço) à verdade. Vale para o voto impresso, para o STF, para os números que cita, para a criação de um novo partido, para as juras democráticas, para as razões na alta dos preços, para as promessas aos caminhoneiros ou aos antigos-novos companheiros do PP e do Centrão. Enfim, para tudo. Até porque o que ele diz hoje, desdiz amanhã. Na maior desfaçatez. Sem nem corar.
De verdade, por exemplo, que ele disse na entrevista à Veja, aparentemente sem querer, e causou muito alvoroço – até porque dita pela metade – foi a que sua mulher foi vacinada nos Estados Unidos. Como tudo que o cerca e à família, tudo muito estranho, tudo muito esquisito, tudo mal contado. Mas assim, aos poucos, vai-se sabendo uma coisa aqui, outra ali. Sem clareza, porém, como deveria ser. E, se ele for mesmo candidato à reeleição, adversários, jornalistas e debatedores têm uma longa relação de perguntas a fazer e contradições a explorar.
Fato é que a primeira grande mentira começa exatamente lá no início, no slogan da campanha, cinicamente retirado da Bíblia: Conhecereis a verdade e ela vos libertará.
Quem sabe um dia?