A recente crise desencadeada pela mudança do presidente da Petrobrás, motivada pelo insolúvel problema do preço dos combustíveis, me traz à lembrança o que afirmou o presidente da República Getúlio Vargas na mensagem ao Congresso Nacional, por ocasião da abertura da sessão legislativa de 1954.

Escreveu o presidente: “A expansão do consumo interno de combustíveis e lubrificantes líquidos, só em diminuta parte atendido pela produção nacional, estava e está a exigir grande esforço do País no sentido do aproveitamento dos seus recursos naturais em petróleo. Por isso, promovi, como é sabido, a mobilização de vultosos recursos financeiros e a criação de uma empresa estatal para a realização dos empreendimentos oficiais, nesse campo industrial.

A Nação hoje está esclarecida sobre o que significa o surgimento da “Petrobrás”, como organismo do Estado para enfrentar o problema do petróleo em bases industriais e comerciais. De sua atuação futura há de resultar, sem dúvida, profunda modificação na economia brasileira, que necessita reduzir a sua dependência do exterior, nesse campo de atividades ou não poderá desenvolver-se plenamente.”

A Petrobrás tem as raízes no Decreto-Lei nº 395, de 29/4/1938, baixado pelo presidente Getúlio Vargas na vigência da Carta Constitucional de 10/11/1937. Declarou de utilidade pública e regulou “a importação, exportação, transporte, distribuição e comércio de petróleo bruto e seus derivados no território nacional e bem assim a indústria da refinação de petróleo importado ou produzido no país”. Em sequência criou o Conselho Nacional de Petróleo, como “organismo autônomo, subordinado diretamente ao presidente da República”, conforme dispôs o Decreto-Lei nº 538, de 7/7/1938.

Dez anos depois o assunto permanecia pendente de solução. O livro A Política Nacionalista do Petróleo no Brasil, editado em 1964, reúne discursos pronunciados por Vargas entre 1939 e 1952 e mensagens dirigidas ao Congresso Nacional em 1953 e 1954. Retratam as dificuldades e os sucessos que levaram à aprovação da Lei nº 2004, de 3 de outubro de 1953, sancionada por Getúlio Vargas.

Era necessário refinar o petróleo extraído dos poços localizados em Lobato, no Recôncavo Baiano. Para satisfazer a necessidade interna de combustíveis construiu-se a Refinaria Nacional de Petróleo, que mais tarde passou a ser denominada Refinaria Landulpho Alves – Mataripe. Em 1955 o presidente Café Filho inaugurou a Refinaria de Cubatão, na baixada santista, cujo nome foi alterado para Refinaria Presidente Bernardes.

A questão do monopólio da extração, do refino e da distribuição do petróleo e seus derivados permanece insolúvel. Durante longo período atuou como divisor de águas na política brasileira. De um lado, monopolistas com a bandeira “o petróleo é nosso”; do outro lado os defensores da exploração pela iniciativa privada. Na versão original a Constituição de 1988 foi categórica. O artigo 177 colocou sob o monopólio da União a pesquisa e lavra das jazidas de petróleo e gás natural e de outros hidrocarbonetos fluídos, a refinação do petróleo nacional ou estrangeiro e de tudo o mais que se relacione à indústria petrolífera. As Emendas Constitucionais nºs. 9, de 1995 e 33, de 2001, abrandaram o rigor monopolístico. Mantiveram, porém, a Petrobrás como sociedade de economia mista controlada pela União, nos moldes do Decreto-Lei nº 200/1967.

Roberto Castello Branco
General Joaquim Silva e Luna. Foto Orlando Brito

Os elevados custos do monopólio ineficiente são suportados pelo consumidor no preço da gasolina, etanol, diesel. Usada com propósitos eleitorais, a empresa se encontra submetida às variações de humor do presidente da República, como acabamos de assistir na substituição do presidente Castelo Branco pelo general Silva e Luna.

Nada justifica a manutenção do monopólio. O regime de livre iniciativa tem na concorrência excelente regulador do mercado. O cidadão deve ter o direito de buscar a melhor qualidade pelo menor preço. É assim que funcionam as economias do mundo livre.

Como acontece com o Banco do Brasil, a Petrobrás não é empresa estatal. São pessoas jurídicas de direito privado, organizadas na forma de sociedades anônimas de economia mista, controladas pela União, com ações nas Bolsas de Valores. Submetem-se às disposições das leis nºs. 6.404/1976 e 13.303, de 30/1/2016. A interferência temerária em sociedade de economia mista, que traga prejuízos à União e aos acionistas minoritários, poderá configurar crime de responsabilidade e no impeachment do presidente da República.

— Almir Pazzianotto Pinto é Advogado. Foi Ministro do Trabalho e presidente do Tribunal Superior do Trabalho

 

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