As imagens têm se sucedido Brasil afora: as pessoas catando lixo e descartes de comida em busca de superar o drama terrível da fome. Quando isso acontece é sinal de que atingimos uma linha de alerta para a qual é necessária a mobilização de toda a sociedade.
O problema da fome é dos mais antigos da Humanidade. Foi certamente em busca de novas fontes de alimento que os primeiros homens se espalharam da África para o resto do mundo — tinham que acompanhar as mudanças climáticas de então, mas estamos falando de processos que levavam milhares de anos.
A força do Egito e de Roma estava nas grandes reservas de grãos. Os egípcios tinham as cheias do Nilo como sinal de que suas margens garantiriam mais ou menos trigo. Havia até os nilômetros, o principal o de Elefantina. Eram eles que indicavam o que os faraós distribuiriam ou não de alimentos. No caso de Roma eram as grandes colônias da Magna Grécia e África as principais fontes, mas havia o controle da produção em grandes armazéns para que a distribuição do grão — para o panis — garantisse a tranquilidade da plebe e do proletariado. Todos os grandes impérios tinham, de uma forma ou outra, suas reservas. Nem sempre elas funcionaram.
Hoje a FAO estima que haja no mundo 600 mil pessoas sem comer e 41 milhões com fome. A História conta mais de quarenta ocasiões em que o número de mortos pela fome foi de mais de um milhão de pessoas, e a China tem os tristes recordes de ter perdido mais de 40 milhões no começo do século XIX e de 55 milhões no fim dos anos 1950.
O Brasil sempre teve o problema. De quando em vez as grandes secas traziam, sobretudo ao agreste nordestino, grandes calamidades, mas não vivíamos a época da mídia em tempo real mostrando a morte. As imagens que ficavam eram as dos retirantes, como meu avô Assuéro, que veio da Paraíba em busca de terra para plantar e felizmente a encontrou aqui no Maranhão.
Eu tive sempre consciência do problema que era a fome que não mata de vez, mas aos poucos. Por isso mesmo, quando Presidente da República, dei grande importância aos programas de apoio alimentar, o principal deles o do leite para as crianças. Mais tarde dei o apoio possível ao José Graziano, quando fez o Programa Fome Zero, durante o governo Lula. Este programa, mais o Bolsa Família, tiveram um enorme sucesso, e o fantasma da fome parecia afastado do Brasil.
Infelizmente ele volta agora. Nada é mais importante do que combater a extrema desigualdade que a causa. Quem tem fome não tem nada mais, perdeu tudo: emprego, casa, dignidade humana.
Talvez mais que as imagens das pessoas catando lixo me chocou a notícia de que houve recurso contra a absolvição de pessoas que haviam sido presas pegando comida descartada nos fundos de um supermercado.
O Brasil ainda é um país rico. Esse egoísmo é inaceitável. É a sociedade como um todo que tem que se mobilizar e dar de comer a quem tem fome.
— José Sarney. Ex-presidente da República, ex-senador, ex-governador do Maranhão, ex-deputado. Escritor. Imortal da Academia Brasileira de Letras