Os militares alojados hoje no Palácio do Planalto, que se espalham sabe-se lá quantos por outros recantos da Esplanada dos Ministérios, e até em elegantes centros corporativos, ao sul e ao norte da sempre combalida e, eternamente em reforma, Estação Rodoviária, não chegaram ao poder pra ficar pouco tempo.
Do Exército, são montes, da Cavalaria à Intendência; da Marinha e Aeronáutica, estas sempre à reboque daquele, não se imagina quantos, mas todo mundo à cata de um bom DAS.
Como já escrevi neste Os Divergentes, essa massa de fardados acreditava que chegaria ao poder ‘pelo voto’, às custas de um capitão reformado, deputado federal do baixo clero, com vocabulário que mal chegaria a ‘150 palavras’, com QI de soldado raso. Capitão que tutelariam, liderados por um Golbery do Couto e Silva redivivo, Augusto Heleno, mas que, e que me seja perdoada a pobreza da metáfora, rapidinhos os derrubou do cavalo.
O que ilustraria melhor essa inversão de tutela do que o acontecido no último domingo? Os pretensos tutores, agora, tutelados, juntaram-se a outros ministros, Heleno meio sumido entre eles, para descer, aglomerados, a rampa do Planalto, rumo a uma outra aglomeração, esta de fanáticos, como um rebanho indo ao encontro de outro.
Tudo isto até seria cômico, não fosse trágico, a nos colocar diante da pergunta que não quer calar, e cuja resposta ninguém que se oponha a tamanha tragédia ainda não consegue responder: o que fazer?
E não sabe porque, qualquer que seja o caminho neste momento possível para que o país se livre da praga Bolsonaro, e do bolsonarismo (este, um fato social, político e cultural que ainda não tem sido possível se estudar e analisar em profundidade) -, no final do caminho está mais um militar, outro general de exército, o vice presidente Hamilton Mourão.
Com quantos tuítes, postagens em redes sociais, já me deparei, escritas inclusive por personalidades de destaque na política e na academia, por exemplo, clamando pelo impeachment de Jair Bolsonaro, cobrando duramente de Rodrigo Maia que dê andamento a um dos cerca de 30 pedidos que descansam sobre sua mesa, mas que ignoram, ou fingem ignorar, o vice Mourão? Porque impeachment, nunca é demais lembrar, só acontece se for combinado antes com o vice e as forças que o cercam, as originais e as adesistas, mediante algum tipo de acordo, como foi com Itamar Franco e Michel Temer. E aqui, pelo menos neste artigo, não entro no mérito do que foi prometido e entregue por eles à sociedade.
Em outras palavras, é legítimo especular que, em sendo de algum modo impedido Bolsonaro, Hamilton Mourão indique para negociar os acordos e programas do seu futuro governo, quem? Isso mesmo: Augusto Heleno, sob as bênçãos de quem? Do general Eduardo Villas Boas e do ministro da Defesa, Fernando Azevedo, este por sua vez abençoado pelo seu ex-assessorado, José Antonio Dias Toffoli. Ou seja, vieram pra ficar muito tempo.
Se isto não é argumento de filme de horror, o que seria?
E tudo acontecendo em meio a uma crise sanitária global e nacional sem precedentes, que já custou a vida de milhares de brasileiras e brasileiros, e milhares ainda poderão morrer, à conta de um homem à beira, aparente, da psicopatia, que, depois de demitir dois médicos, coloca para responder por essa crise – e melhor prova da sua presumível insanidade não poderia existir neste momento – um general-almoxarife.
Claro que, pelo menos nos termos de hoje, a hipótese de Rodrigo Maia dar guarida a qualquer pedido de impeachment de Jair Bolsonaro é próxima de zero. Mas, não é só porque presidente da Câmara dos Deputados sabe contar votos, e porque Bolsonaro no melhor estilo de seus antecessores – inclusive Luiz Inácio Lula da Silva; exceção feita a Dilma Rousseff, que recusou curvar-se diante de Eduardo Cunha, general, na época, do chamado Centrão -, já está colocando no governo luminares como Carlos Marun, e prepostos dos notórios Valdemar da Costa Neto e Ciro Nogueira. E a derrama está só começando.
Rodrigo Maia sabe tão bem quanto qualquer operador da política que impeachment só acontece se houver um acordo em torno do vice.
Mas, e se – e este é ainda um pequeno se – o inquérito solicitado pela Procuradoria Geral da República, não obstante os impulso atávicos do arquivista Augusto Aras, prosperar, à custa das evidências já recolhidas, de outras que ainda poderão ser, e do conteúdo do já quase mítico vídeo da reunião ministerial de 22 de abril último? Prosperar ao ponto de Aras ser compelido oferecer denúncia contra Bolsonaro, e Toffoli fazer o devido encaminhamento a Maia. Na Câmara, tudo ‘home parliament’, CCJ, depois plenário que, com 342 votos abre o processo. O STF acata o pedido, declara Bolsonaro réu, ele é afastado por 180 dias para o julgamento. Mourão assume interinamente. Se isto acontecer, Bolsonaro, acredito, já era. Políticos, empresariado, o escambau do mercado, se acerta com o vice, e Bolsonaro ou renuncia ou será renunciado.
Um rearranjo político será dará em torno de Hamilton Mourão, que, empunhando a bandeira de Brilhante Ustra, lançar-se-á ao novo campo de batalha para montar seu próprio governo. Com Augusto Heleno, e outros igualmente ex-fardados, mais Paulo Guedes e quem mais a banca indicar, e atirar-se em direção a 2022 com sede de reeleição.
Mas, e se Bolsonaro, como tudo hoje indica, sobreviver ao inquérito, ou à Câmara, ou ao STF? Sairá evidentemente fortalecido, e empunhando a bandeira da cloroquina, prosseguirá na sua Marcha da Maldade para com Paulo Guedes, Ernesto Araújo e Olavo de Carvalho, o Exército, a Marinha e Aeronáutica, etc atirar-se sobre 2022 com sede redobrada de vingança.
Esses me parecem, ainda que de uma forma um tanto caricata – e tendo como pano de fundo a covid-19 e seus efeitos devastadores a se estender no tempo -, os cenários hoje possíveis para nosso futuro político próximo. Sem ilusões, sem tempo para militância retórica nas redes sociais, testemunhando, sem muito poder fazer, a erosão, já em curso, do esboço de democracia que vínhamos experimentando desde 1988 para níveis que indicam a sua destruição.
Cenários que apontam para a eleição presidencial de 2022, se vier a ocorrer, como a única saída possível, de médio prazo, para o horror político que estamos vivendo, à qual chegaremos, mais que tudo, profundamente marcados pela tragédia da covid-19 e as cicatrizes que está deixando e ainda deixará no tecido afetivo de milhares de famílias brasileiras.
*Professor Emérito da Faculdade de Comunicação da Universidade de Brasília (UnB)