Quando no dia 5 de novembro as eleições norte-americanas se aproximavam do impasse com a reversão das expectativas da vitória republicana em favor dos democratas, o presidente Donald Trump anunciou um pronunciamento na Casa Branca para denunciar o que denominou de fraudes ou suspeitas de fraudes nos estados onde começava a perder as eleições.
Em meio à fala do presidente, em pleno exercício de seu mandato presidencial, usando a tribuna da Casa Branca, os âncoras das redes de televisão ABC, NBC e MSNBC interromperam o pronunciamento e estabeleceram na prática e publicamente a censura do discurso do presidente dos Estados Unidos da América.
Lester Holt, o âncora da ABC, interrompeu Trump enquanto ele se pronunciava: “Precisamos interromper aqui porque o presidente Trump enumerou uma série de alegações falsas sobre fraude nas eleições. Não há evidência de qualquer indício de fraude e nem mesmo sua campanha conseguiu provar isso.”
Brian Williams, da MSNBC, cortou a fala de Trump com o seguinte discurso: “Estamos aqui novamente na posição inusitada de não apenas interromper o presidente dos Estados Unidos, mas corrigir o presidente dos Estados Unidos”.
O episódio é o atestado definitivo e incontornável do declínio das instituições da grande nação do Norte, principalmente da mais representativa, da mais emblemática, da presidência da República, do espaço que já foi ocupado por George Washington, Thomas Jefferson, Abraham Lincoln, Franklin Roosevelt e John Kennedy.
Uma corporação privada, a mídia televisiva, simplesmente impôs o tríplice silêncio ou a tríplice censura ao presidente da República, à Casa Branca e à Presidência dos Estados Unidos.
É verdade que Trump mergulhou os Estados Unidos e suas instituições na mais profunda depressão política da história, contribuindo para a degradação do país internamente e aos olhos do mundo.
Na presidência da República, Trump comportou-se como um simples arrivista e aventureiro vulgar, sem consideração pelas enormes responsabilidades da presidência da República perante o seu próprio país e diante do mundo.
Mas as redes de televisão poderiam esperar o final da fala presidencial e mobilizar em seguida suas equipes de excepcionais comentaristas e analistas capazes de reduzir a pó as diatribes de Donald Trump.
E por que preferiram censurar a fala presidencial com um gesto inusitado e inesperado de simplesmente cortá-la e retirá-la do ar? Porque o comportamento de Trump enfraqueceu a instituição presidencial e deu às corporações midiáticas a chance de afirmar seu poder contra a política e suas instituições.
A mais estável e admirada democracia ocidental perde muito da luz e do brilho que espalhou pelo mundo, seja para torná-lo melhor ou para usar como pretexto para esmagar reivindicações legítimas de povos e nações.
Com a derrota de Trump cessam no Brasil as ilusões provincianas e servis de Bolsonaro e Ernesto Araújo em relação à liderança do presidente norte-americano e seus benefícios para o Brasil, e ascendem as novas ilusões, igualmente provincianas e servis, dos chamados setores progressistas na agenda de Joe Biden contra a Amazônia e em defesa do identitarismo antinacional.
A única oportunidade que a vitória de Biden pode oferecer ao Brasil é a transição da diplomacia de submissão aos EUA para uma retomada da cooperação com a Europa, China e América Latina, dos quais nos afastamos para seguir acriticamente a orientação de Donald Trump.
Os verdadeiros patriotas e democratas devem cultivar com a grande nação do Norte e com todos os seus mandatários relações de cooperação e de respeito sem qualquer tipo de ilusão e na certeza de que eles defenderão em primeiro lugar os interesses de seu povo e de seu país. Cabe a nós proteção dos interesses do Brasil e dos brasileiros.
* Aldo Rebelo é jornalista e ex-presidente da Câmara dos Deputados. Foi ministro da Coordenação Política e Relações Institucionais; do Esporte; da Ciência e Tecnologia e Inovação e da Defesa nos governos Lula e Dilma.