Um é mentiroso, o outro é falastrão. São amigos e mútuos admiradores, é o que consta. O primeiro está encerrando a carreira política. Encerrando mal. O segundo está começando a mesma carreira no Executivo, e também começando mal. Pode ser que acabe ainda pior. O americano perdeu uma eleição por 5 milhões de votos mas insiste que venceu. Xingou as principais figuras do sistema político de seu país, e a própria instituição eleitoral, afirmando que eles todos são ladrões, e ela, a justiça, realmente cega. Não comprovou nenhuma das roubalheiras que acusou, no pleito. Sem provas, sequer suspeitas apresenta. E não quer reconhecer o sucessor eleito. Acha que manda nos Estados Unidos e em suas leis, e faz o que quiser. Agora, vai se dedicar a acertar as contas de suas empresas.
A dupla em destaque, de ouro, é formada pelo cabeludo Donald Trump e o valentão Jair Bolsonaro, que já deu a entender que vai declarar guerra aos Estados Unidos. A Amazônia entra como pretexto. A linguagem da ameaça de guerra foi cifrada, constando apenas de menção da saliva e, depois, da pólvora. Ou seja, se o falatório não resolver, bala neles. Talvez por isso o uso de armas e o aumento das cotas individuais de munição tenham sido liberalizadas neste governo. Bolsonaro gritou logo para seu Ministro do Exterior: “Ouviu Ernesto? Não é pra brincar de poeta não”. Os brasileiros já Imaginaram os famosos marines desembarcando em Copacabana? É rezar para que eles sentem nas rodas de chopp. O Exército americano é poderoso, mas foi reduzido em função de ataques das hordas coronavíricas, contra as quais radar não funciona.
O presidente em fim de carreira mandou bloquear o acesso da assessoria do presidente eleito aos dados e documentos sobre a situação do país, ao final do seu mandato. Essa cooperação é tradicional em todas as transições de poder nos EUA. Se depender do Trump, seu sucessor vai assumir o governo sem saber o que vai encontrar pela frente. Talvez bolas de golfe na suíte presidencial. O presidente Joe Biden precisa saber onde vai pisar, antes da posse. Ou será que o Trump está escondendo muita coisa feia? Enquanto isso, seu amigo brasileiro faz beicinho e se recusa a mandar mensagem de congratulações ao novo presidente americano. Falta não faz. Trata-se de um ato de cortesia e respeito entre países. Costume que está acabando na atual diplomacia brasileira, alheia aos exemplos de Rio Branco.
Outra similaridade entre os dois valentões é o desprezo no combate à maior epidemia ocorrida no mundo, que já matou milhões de pessoas. E ainda vai matar outros milhões se não for aprovada logo uma vacina que possa liquidar o surto do vírus. Trump e Bolsonaro se exibiram como valentes, mas insensatos. Não usavam máscara, participavam de aglomerações e Trump não soube operar a máquina do Estado contra a pandemia. O daqui disse que não passava de uma gripezinha, a doença causada por bilhões de vírus. E gostava de entrar em bares populares e provocar aglomerações. Sem máscara, claro. Os Estados Unidos de Trump tornou-se o país campeão mundial de mortes pela Covid-19, além do recorde de cidadãos atingidos pela doença.
Joe Biden estabeleceu como primeira tarefa de seu governo a guerra total à pandemia, reunindo cientistas, especialistas no tratamento das vítimas, iniciando ações de combate ao vírus que seu antecessor não promoveu. Talvez porque estava procurando onde estavam escondidos os votos roubados com os quais ele andava sonhando. Trump mantém a disposição de não permitir que o tradicional processo de transição seja realizado, prejudicando o esquema de trabalho do novo presidente. Normalmente o presidente em final de mandato costuma receber o recém-eleito e sucessor em sua primeira visita à Casa Branca, a convite do ocupante atual. Protocolo seguido por todos os presidentes Democratas e Republicanos, ao longo da história dos Estados Unidos.
Lá em cima vai haver a mudança, sempre uma oportunidade de melhorar a situação de cada país. E o presidente Biden, o sucessor, é visto de maneira positiva pela população americana. Uma pessoa educada e respeitosa. Aqui em baixo, com a ameaça bolsonarista de guerra contra os Estados Unidos, a maior potência militar do planeta, os brasileiros se questionam: como combater a miséria, a corrupção, a criminalidade, a incompetência oficial e enfrentar marines desembarcando em Copacabana? Pode também não acontecer nada. Trata-se de mais uma aventura do capitão fanfarrão, como dizem os militares.
— José Fonseca Filho é Jornalista