A campanha eleitoral ainda não começou oficialmente, mas os primeiros movimentos indicam um derretimento claro da base de Jair Bolsonaro. Mesmo com a bic na mão, os principais grupos de apoio do presidente em 2018 já começam a buscar alternativas ao capitão, manifestando insatisfação com o governo.
A turma da ala ideológica anda irritada com a aliança entre Bolsonaro e o Centrão. O que também tem agastado parte dos militares. Afinal, o capitão foi eleito como um político antissistema, prometendo acabar com a farra da “velha política”. Acabou entregando o governo aos partidos envolvidos com corrupção nos governos anteriores.
Já os evangélicos não gostaram nenhum pouco do comportamento negligente do presidente em relação as mortes pela covid e, principalmente, nas catástrofes provocadas pelas enchentes em vários estados. Vê-lo dançando funk em uma lancha enquanto milhares de pessoas perdiam suas casas por causa das inundações deixou alguns religiosos indignados.
O astrólogo Olavo de Carvalho puxou o coro da insatisfação com o presidente durante uma live no final de dezembro, escrevi sobre isso na época. Esta semana, foi a vez de dois expoentes da ala ideológica do governo, os ex-ministros Abraham Weintraub, da Educação, e Ernesto Araújo, das Relações Exteriores, dispararem críticas contra a aliança com o Centrão.
Os militares também estão divididos. Um grupo, liderado pelo general Santos Cruz, já manifestou apoio ao ex-juiz Sérgio Moro, que também conta com a simpatia do vice-presidente Hamilton Mourão. Antes mesmo de o governo ser ocupado pela turma do Centrão, alguns já haviam se decepcionado com a postura do capitão. Em 2018 eles estavam coesos em torno da candidatura Bolsonaro ao Planalto.
Mas a principal baixa pode ser a dos evangélicos, talvez a base mais importante do presidente do ponto de vista eleitoral. Pesquisa Datafolha realizada em 2020, diz que eles são mais de 30% da população. A insatisfação dos religiosos já começa a se manifestar publicamente. O Estadão publicou esta semana uma notícia dando conta de que líderes evangélicos no Congresso teriam afirmado que “atitudes de Bolsonaro em relação ao governo demonstram pouco apreço ao trabalho e descaso com os problemas da população”.
Outra notícia, publicada nesta quarta-feira na coluna do jornalista Guilherme Amado, do Portal Metrópoles, fala abertamente sobre o desagrado da cúpula da Igreja Universal em relação ao presidente. Segundo a nota, o próprio Edir Macedo avalia que “Bolsonaro é mais preocupado com os filhos do que com o povo”.
Um dos integrantes da cúpula da Igreja teria dito ao jornalista que a visão dos pastores é de que o presidente é um “líder frágil, que ignora o sofrimento do povo em nome de defender os filhos”.
A birra de Edir Macedo com Bolsonaro na verdade nada tem a ver com a preocupação do bispo com o povo, mas com os problemas da Universal em Angola, em que seus bispos foram expulsos do país acusados de corrupção. A perda de tamanha mina de faturamento causou impacto no faturamento global da Universal.
Pressionado pela turma de Edir Macedo, Bolsonaro até tentou resolver. Sua última tentativa foi enviar o vice-presidente Hamilton Mourão a Angola para tenta reverter a situação. Não deu certo.
Bolsonaro, então, tentou compensar a Igreja Universal indicando Marcelo Crivela para embaixador do Brasil na África do Sul, outro grande alvo da igreja. Pediu o agreement, preliminar necessária para emplacar qualquer embaixador. Deu ruim. O governo da África do Sul simplesmente ignorou o pedido, o que, no protocolo diplomático, significa recusa.
O apoio da Universal representa não apenas votos nos templos, mas uma mídia favorável ao governo, em contraponto a outras emissoras do país.
Se não conseguir reverter essa debandada, restará a Bolsonaro apenas o Centrão, que já mostrou não ter muitos problemas em mudar de posição desde que seja conveniente. Quem conhece essa turma sabe que trair e coçar é só começar.