Esse é o tipo do momento surreal no Capitólio, em Washington DC. Donald Trump mexeu tão malignamente com seu partido e com o país que continuamos a assistir manobras que desafiam a crença e desprezam a história.
Há duas semanas, o ex-vice-presidente Dick Cheney estava no Capitólio com sua filha Liz, uma congressista de Wyoming que é “persona non grata” em seu próprio partido e “persona grata” junto aos democratas por falar verdades sobre Trump.
Desta vez, Cheney não era atacado pela mídia por tentar explodir os democratas. Desta vez ele era o mocinho, um dos únicos republicanos dispostos a desafiar Trump e dizer o óbvio: o partido republicano está canceroso.
Sua antiga inimiga Nancy Pelosi apertou calorosamente a mão do “Vice”, e um grupo de democratas esperou para beijar seu anel.
Trump é um bandido tão egocêntrico que o ex-vice-presidente de George Bush, batizado de “criminoso auto engrandecedor” pela mídia, parece um santo em comparação.
De monstro a médico
Não importa – como a mídia denunciou inúmeras vezes – que o ex-vice-presidente tenha avançado uma teoria em Washington que estava em desacordo com as intenções e ideais dos fundadores, tenha encorajado e levado com sucesso o governo federal a espionar ilegalmente americanos incautos e inocentes, além de passar para o público informações falsas e distorcidas sobre armas de destruição em massa no Iraque. É nem que tenha se tornado cúmplice direto de um regime de tortura pelo qual deveria estar cumprindo pena em uma prisão de segurança máxima.
A história prega inúmeras peças e nos reserva surpresas acintosas – algumas vezes até agradáveis. O ex-vice-presidente de Bush, que subverteu a Constituição a cada passo, foi saudado como um defensor da Constituição. De monstro a doutor. Este é o mundo em que estamos agora.
Houve outros momentos intrigantes, de reviravoltas. Os republicanos, que já foram os guardiões declarados da aplicação da lei, desertaram em massa do Capitólio em um dia de agradecimento pela bravura da polícia, viva e morta, que arriscou suas vidas segurando o rebanho de Trump, empenhado em destruir a democracia e os bons legisladores, se pudessem colocar as mãos neles.
É abominável que os republicanos não possam honrar a instituição que juraram resguardar, ou até mesmo aparecer para os policiais e outros funcionários que veem todos os dias que ficaram traumatizados pelo horrendo ataque de 6 de janeiro.
Pelo menos o decente presidente Joe Biden finalmente reconheceu que os velhos tempos se foram e que os republicanos não vão cooperar com os democratas. Biden chegou querendo unir e apaziguar o país, mas parte dele – leia-se Trumpland – não quer união.
É como se o ex-presidente tivesse transformado sua identidade em uma psicose nacional. Dividiu o país e o resto mundo em duas classes: homicidas e perdedores. Então, em vez de aceitar que perdeu a reeleição, Trump incitou um culto revolucionário para desrespeitar os resultados das eleições de 2020. É difícil digerir as imagens do líder mundial sentado lá na Casa Branca, sem fazer nada, cercado por embalagens do McDonald’s, emocionado com as cenas nas redes sociais dos seus seguidores lunáticos atacando a polícia e destruindo patrimônio público. Um digno “momento Kodak” de um ditador do Terceiro Mundo.
Não é muito exagero comparar Trump com Jim Jones – líder de culto americano que prometeu a seus seguidores uma utopia nas selvas do sul da América depois de se proclamar o messias do Templo dos Povos, um grupo evangelista sediado em São Francisco. Jones acabou levando seus seguidores a um suicídio em massa, que deixou mais de 900 mortos e ficou conhecido como o Massacre de Jonestown (18 de novembro de 1978).
Isso é um pássaro? É um avião? Não, é o presidente Joe Biden
Em sua homilia emocionante no “Statuary Hall”, Biden perfurou a cerração e severas turbulências de seu primeiro ano e chamou Trump: “Ele foi derrotado”. Sem usar seu nome, o presidente acusou o marido de Melania de uma crueldade intensa: colocar os americanos contra sua própria democracia e constituição.
O presidente não mediu palavras e ressaltou que “aqueles que invadiram o Capitólio e aqueles que instigaram, promoveram e incitaram e aqueles que os pediram para fazê-lo colocaram uma faca na garganta do nosso país, na democracia americana”.
Além de seu punhal na goela da democracia e nas instituições americanas, Trump tem seu partido em um processo de suicídio coletivo. É muito engenhoso e totalmente insano. Os republicanos podem ter impedido Trump de dar uma entrevista coletiva, porque sabem que 3 de novembro e 6 de janeiro são datas que os fazem parecer horríveis, mas ainda estão sob seu controle satânico, como evidenciado por sua fuga vergonhosa do Capitólio.
Golpe Parte II
O ex-presidente está trabalhando – a tentativa de golpe está em sua segunda fase – nos corredores, bastidores e principalmente nos esgotos do país. Os lunáticos seguidores do ex-presidente estão ralando duro em estados como Geórgia e Arizona, que desafiaram Trump em 2020, para institucionalizar a grande mentira do presidente, com negadores das eleições, concorrendo a escritórios que controlam o processo de votação. Pelo menos 163 republicanos que abraçaram as falsas alegações de Trump estão competindo a cargos estaduais que lhes dariam comando sobre a gerência das eleições e pelo menos cinco candidatos à Câmara dos Deputados dos Estados estiveram no Capitólio durante o pleito de janeiro.
Biden deve seguir seu discurso e agir para os que os seguidores lunáticos do ex-presidente que saquearam o Capitólio não possam repetir esses atos outra vez. Ele deve descobrir uma maneira de promulgar novas leis de direitos de voto para prevenir os ânimos e ações dos republicanos para dominar a certificação eleitoral.
O partido de Biden precisa tomar jeito e juízo. Se eles continuarem se debatendo, eles podem estar contemplando uma derrota na Câmara e talvez no Senado e anos de um país onde as leis e a constituição não serão respeitadas.
Os democratas deveriam aprender a lição. Este não é um momento para dar socos e pontapés. É um período de uma reflexão e ansiedade.
Em tempo de poda, passarinho não pia.
Há uma ala dentro das Forças Armadas – amigos de Trump – muito descontente com o cenário político americano. E, por ironia da história, acena com um golpe militar em 2024, caso o ex-presidente não seja o vitorioso nas urnas.