À iminência de explosão do coronavírus nas favelas do Rio de Janeiro soma-se a inação do governo federal de providenciar renda e distribuição de alimentos à população. As notícias dão conta de que sociedade civil se organiza para prover o que pode, em meio às centenas de milhares de famílias que moram em casas precárias onde falta até água – condição elementar de combate à propagação do vírus.
Em meio ao caos, o crime organizado dita a lei. O vazio do estado é logo ocupado. É o tráfico, a milícia, quem dá as cartas. Por toda parte, o caos ronda a vida e ameaça a estabilidade do sistema político – a explosão da violência é o prenúncio.
Alheio às advertências quanto à gravidade da crise sanitária e econômica, Bolsonaro dobra a sua aposta. Na periferia de Brasília, desfila junto à população. A ameaça de explodir quartéis com bombas é coisa do passado. A tática agora é outra: estimula-se a desobediência civil contra os governadores que, sem apoio, sem dinheiro, sem coordenação do governo federal, fazem o que pode para conter em milhares as mortes que virão.
Guedes, o sumido, é silêncio. Ao contrário do que fazem os governos europeus e americano o Brasil se nega a formular política econômica exigida para conter a gravíssima recessão que se instala e de amparar os mais vulneráveis – os que mais sofrem pela paralisia das atividades. É consenso entre os economistas que as medidas anunciadas pelo governo de apoio às pequenas e médias empresas estão muito aquém da necessidade. A renda mínima de emergência para os mais vulneráveis há pouco foi aprovada no Senado, impondo derrota à proposta tímida e limitada inicial do governo, e segue para sanção presidencial. Desconhece-se as formas de implementação.
O mundo está em guerra e os países mobilizam como podem suas forças no combate à epidemia e à recessão que destrói empresas, empregos e renda. No Brasil, a equação é outra: uma parcela da sociedade a tudo resiste, mas o governo – apoiada por outra – insiste no caos para se refestelar na tragédia.
A história nem sempre percorre um caminho linear. Há atores exógenos que podem acelerá-la para um desfecho, tencionar contradições que já existiam e precipitar afinal o curso dos acontecimentos. O coronavírus pode ser um destes casos. A insatisfação que já existia com o pífio crescimento econômico viu nele um aliado capaz de trazer impacto econômico ainda mais profundo, com repercussão nas esferas social e política sem precedente.
Informe publicado na segunda-feira (30) pela Conferência da ONU para o Comércio e Desenvolvimento (Unctad), revela que a “velocidade com a qual as ondas de choque econômico da pandemia atingiram os países em desenvolvimento é dramática, mesmo em comparação com a crise financeira global de 2008”.
Ainda segundo a entidade, o Brasil deve se preparar para um “coquetel extremamente perigoso”. A crise na saúde e uma crise na economia deve causar um “estresse enorme em uma economia que já vinha fraca”, apontou. Para a Unctad, o impacto deve ser mais profundo que a crise de 2008, abalando o emprego de milhões de brasileiros no setor de serviços.
Olhando mais de perto a política, é forte entre os analistas a convicção de que Jair Bolsonaro jamais abandonou o seu plano de golpear o estado para governar sem os incômodos do Congresso e do STF. O presidente por várias vezes expressou a sua intenção em entrevistas, declarações e movimentos.
A tentativa, em meio à crise da saúde, de mobilizar a população economicamente mais atingida pelas medidas de isolamento social contra os governadores, sabotar o combate à epidemia e a inércia na adoção de políticas capazes de amortecer os efeitos da crise econômica pode ser só mais um dos caminhos.
Urge ao país desarmar esta bomba.