A Constituição Cidadã, como a apelidou o Dr. Ulysses Guimarães, agoniza em leito de morte. É vítima de anemia profunda, que a impede de se proteger de conspirações golpistas. A derradeira linha de defesa tem sido o Supremo Tribunal Federal (STF), onde o inimigo infiltrou agentes com o objetivo de debilitá-lo.
Ao dispor sobre as atribuições do presidente da República o Art. 84 conserva o sistema presidencial de governo, fiel às tradições republicanas. Compete a ele nomear e exonerar os Ministros de Estado, dirigir a administração federal, exercer o comando das Forças Armadas. Não temos primeiro-ministro, como prescrevia a breve Emenda Constitucional nº 4 (2/9/1961- 23/1/1963), que instituiu precário regime parlamentar, destinado a permitir a posse do presidente João Goulart.
Em 1988, investidos de poder constituinte original, senadores e deputados rejeitaram a monarquia e o parlamentarismo. Inexistia, portanto, razão suficiente para se inocular na Lei Fundamental o vírus da insegurança, convocando-se o eleitorado para definir, no dia 7 de setembro de 1993, “através de plebiscito, a forma (república ou monarquia constitucional) e o sistema de governo (parlamentarismo ou presidencialismo), que devem vigorar no País” (Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, ADCT, Art. 2º).
À medida que os anos passam, mais me convenço de que a nossa Constituição nasceu condenada por utópica prolixidade. Desde a promulgação, em 5/10/1988, sofreu 113 emendas; 6 de revisão, promulgadas entre 2/3 e 5/6 de 1994, e outras 107 consideradas ordinárias. Tramitam, ainda, no Poder Legislativo 1.344 novas propostas de alteração, apresentadas por deputados, senadores e pelo Presidente da República.
O ambiente de insegurança institucional gerado pela instabilidade da Lei Fundamental e as dificuldades de utilizá-la para a solução de urgentes problemas nacionais, oferece aos candidatos à presidência da República a oportunidade única para o debate de três temas interligados: como elaborar nova Constituição; o combate à corrupção; o fim da impunidade.
A fragilidade da Lei que confere ordenamento jurídico, político e social ao País, não é fácil de explicar e mais difícil de entender. Quem melhor se saiu na tarefa foi Oliveira Vianna. A responsabilidade caberia à excessiva imaginação política. “Estamos sempre na atitude alvoroçada de quem espera o advento próximo da idade de ouro do Saturno. Todas as utopias, as mais vagas, as mais estranhas, encontram asilo fácil, hospedagem carinhosa em nossa imaginação. Os nossos idealismos – políticos, sociais ou artísticos, nós os temos formado quase sem nenhum contato com as realidades do nosso meio” (Instituições Políticas Brasileiras, Ed. Record, SP, 3ª ed., 1974, vol. II, pág. 20).
As más experiências da última constituinte não podem ser esquecidas. Deveria ter sido exclusiva. Para a próxima o povo não elegerá deputados e senadores, com mandatos de 4 e 8 anos. Delegará poderes transitórios a representantes da Nação, para organizá-la como Estado. Será convocada por prazo curto e determinado para analisar, sugerir e emendar, de forma moderada, projeto redigido por reduzido grupo de constitucionalistas modernos, cuja única paga consistirá no reconhecimento pelos bons serviços prestados à Pátria. Encerrados os trabalhos se dissolverá, e cada qual voltará aos afazeres normais
Em 1988 os constituintes se deixaram envolver por espírito revanchista, demagogo, populista e utópico. Faltou quem os alertasse de prometerem o impossível ao país inexistente. Quem recordasse o fracasso de todos que ofereceram riqueza, desenvolvimento, justiça social, como produtos de frases dotadas de poder mágico.
A comissão incumbida de preparar o projeto deverá se inspirar em constituições cujos bons resultados sejam atestados pela longevidade. Duas, nesse sentido, se distinguem: a inglesa, não escrita, e a norte-americana, em vigor desde 1789. Redigida em 3 meses por 39 dos 55 delegados à Convenção da Filadélfia, com 7 artigos e 27 emendas é a mais curta das constituições escritas. Resistiu a numerosas crises, as duas últimas no atentado terrorista de 11/11/2001 e quando Donald Trump se recusou a aceitar a vitória de Joe Biden, mas se calou diante da viril atitude dos comandantes das Forças Armadas.
A história revela que a boa constituição não significa garantia infalível de justiça social, de política honesta, de economia vigorosa e sustentável. A má, todavia, é sementeira de péssimos resultados.
— Almir Pazzianotto Pinto é Advogado. Foi Ministro do Trabalho e presidente do Tribunal Superior do Trabalho. Correio Braziliense, 5/1/2022. Opinião. Pág. 18