As manifestações pró-governo Jair Bolsonaro, em 26 de maio, inauguraram a disputa aberta entre a nova direita e a centro-direita tradicional pela hegemonia do eleitorado conservador – e por quem oferece mais vantagem ao centro liberal-democrático clássico e ao novo centro do “se não prestar a gente tira e coloca outro” que emergiu nas eleições de 2018.
Quem está no páreo para ser um anti-Bolsonaro pelo espectro conservador (sim, porque a tese de esquerda de que todos os “golpistas” se uniriam naufragou)?
Sem dúvida, um deles é o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), que em entrevista ao Estadão, na segunda-feira, tratou o executivo como “governo da direita”, demarcando ideologicamente o espaço do centro. Maia lidera o superbloco Centrão e, por meio dele, os ativos de tempo de rádio-TV e máquinas partidárias que perderam relevância, mas não deixaram de ser importantes.
Por ser herdeiro, na prática, da força parlamentar de Eduardo Cunha, é a renovação pura da Nova República e tem todas as condições de expressar um projeto com balanço positivo, como a Avaliação de Washington Luiz sobre a Velha República, que, até hoje, quase dá vontade de pedir a restauração daquele regime. É do período pós-abertura que se colheu estabilidade econômica e redução da pobreza. Pode construir a imagem da “velha política” no sentido da “panela velha é que faz comida boa”.
Embora, com uma mão, precise vestir a camisa do toma lá dá cá para que seus aliados tenham estrutura para se posicionarem nas municipais do ano vem, com a outra, a persistência em defender a circunscrição do governo Bolsonaro a uma pauta econômica liberal visa se projetar como alternativa simpática ao mercado e mais séria para o eleitor conservador, além de palatável aos moderados de outras preferências políticas.
Outro é o governador paulista João Dória Jr (PSDB-SP), que se tornou o acionista majoritário do PSDB, elegendo o “cabeça preta” (nome da renovação tucana) Bruno Araújo presidente nacional. Assim, o ninho fica mais próximo da B3 e mais distante da USP.
Sem vestígios na Lava Jato e antipetista, é deglutível pela nova direita como renovação portadora de expertise e previsibilidade que faltam a Bolsonaro. Se o capitão é “Trump tropical”, Dória é “Macron Tropical”. Mas ele é do mercado e do meio político o suficiente para ser establishment em pele de outsider, marca que pode explorar com sucesso, pois a tendência dos anos 90, do político empreendedor e rico como sinais de competência, voltou com tudo. Tem todas as prerrogativas para se vender como um candidato a CEO do Brasil.
No distante estado do Pará – pelo menos do centro de comando das valiosas e influentes corporações que lá atuam – o governador Helder Barbalho (MDB), filho do senador e emedebista histórico Jader Barbalho, desponta como uma promessa. Unindo de petistas a bolsonaristas na gestão dele, abraçou um padrão clássico de governo: liberal na economia, socialmente sensível, baseado em obras públicas e alianças parlamentares; mas aderente ao perfil de político que a sociedade tem demandado: autêntico e informal, que fale diretamente a ela, que mostre vontade de resolver os problemas das pessoas comuns e presente na hora dos fatos negativos (como no desabamento da ponte da Alça Viária, em que respondeu imediatamente por meio de uma live no local).
Em outras palavras, Hélder Barbalho convoca a população à “curtir” um projeto real (e tradicional). Se produzir bons resultados simbólicos (temas culturais) e socioeconômicos, reunirá condições de se apresentar como um establishment político modernizante e reciclado, exatamente pelo sobrenome que carrega.
Os três são novos, experientes e tem linhagem política, provém de estados com poder econômico importante no PIB nacional ou estrategicamente diferenciados e podem frear, pela refundação do social-liberalismo globalista, a ala conservadora deste, a ascensão da nova direita, como ocorreu nas eleições do parlamento europeu, embora Maia esteja mais para uma oxigenação da centro-direita tradicional do que para a aliança liberal do Velho Continente.
À esquerda, afora o candidato de Lula, chama a atenção a projeção do senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), da esquerda não-lulista. É também uma tendência mundial o crescimento de uma sinistra que combine o discurso de combate às injustiças sociais, de patriotismo e defesa dos direitos humanos e do meio ambiente com uma retórica anticorrupção e antiestablishment. Foi o caso de Mujica (Uruguai) e é o de Lenin Moreno (Equador), do Cinco Estrelas (Itália) e de AMLO (México).
Com autoridade de ex-petista, Rodrigues conta a favor com a permanência do prestígio de Marina Silva, mas com ela já sem apelo eleitoral, abrindo caminho para a liderança dele. No Senado, tem atraído a simpatia do lavajatismo crítico aos revezes de Sergio Moro no governo, defendendo, por exemplo, o Coaf no ministério da Justiça. Sua ligação com pautas anticorrupção é forte: é um notório apoiador da prisão em segunda instância e do fim do foro privilegiado. O amapaense também tem se destacado como mediador habilidoso, como no caso da votação da MP do combate à fraudes em benefícios do INSS. A defesa de direitos, porém fora das páginas policiais, e com sobriedade política, é uma marca com potencial.
A estrada ainda será longa, mas darão frutos as sementes bem plantadas.