Sobre a história da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), os serviços prestados, a capacidade de adaptação e o envelhecimento, já se escreveu o suficiente. Trata-se de marco legal histórico, cujas origens se confundem com o Estado Novo e o início da nossa Primeira Revolução Industrial.
O nascimento da CLT foi saudado como avançada conquista social, de iniciativa do presidente Getúlio Vargas. A propósito da nova legislação, escreveu na Exposição de Motivos o ministro do Trabalho, Industria e Comércio, Alexandre Marcondes Filho: “É o diploma do idealismo excepcional do Brasil, orientado pela clarividência da V. Exa., reajustando o imenso e fundamental processo da dinâmica econômica, nas suas relações com o trabalho, aos padrões mais altos da dignidade e de humanidade da justiça social. É incontestavelmente a síntese das instituições políticas estabelecidas por V. Exa. desde o início de seu governo”.
É admirável a resistência da CLT ao passar dos anos, à evolução dos costumes, ao mundo global, às transformações nas relações de trabalho. A promulgação das Constituições posteriores a 1943 não lhe demoliu os alicerces corporativo-fascistas. Por inércia, o Congresso Nacional conserva o Título V sobre a Organização Sindical, cuja inspiração corporativo-fascista foi confessada por Luíz Augusto de Rego Monteiro, coordenador da Comissão Elaboradora, nas Proposições Fundamentais de Direito Sindical Brasileiro, publicadas no Boletim do Ministério do Trabalho, vol. 81/82.
A Constituição de 1946 avançou ao assegurar o direito à livre associação profissional ou sindical e o direito de greve (artigos 158 e 159). O direito efetivo à autonomia de organização sindical, entretanto, permanece nos porões do esquecimento, e o direito de greve só viria a ser disciplinado 18 anos depois pela Lei nº 4.330/1965, atualizada pela Lei nº 7.783/1989. O mais completo esforço de reforma da CLT se deu em 1979, quando o projeto da Comissão Interministerial instituída pelo governo João Figueiredo – na verdade, mera maquiagem da CLT – morreu abatido pela prolixidade.
Diz a experiência que o êxito de qualquer empreendimento se mede pelos resultados. Para se avaliar os resultados da CLT, nada melhor do que o exame dos Relatórios Anuais da Justiça do Trabalho, do Tribunal Superior do Trabalho (TST) – o último relativo a 2022. Vejamos alguns números.
Nos primeiros quatro anos de atividades (1941-1945), o Judiciário Trabalhista recebeu 163.128 mil feitos e julgou 147.790 mil. Desde então, o resíduo anual continuou a crescer e a quantidade de dissídios revela que a CLT não produz bons efeitos como instrumento de prevenção de conflitos entre patrões e empregados. Em 2021, em plena pandemia, deram entrada 2.550.379 casos em 1.573 Varas do Trabalho, com jurisdição sobre 5.570 municípios, distribuídos a 3.361 juízes do Trabalho. Em cada 100 mil habitantes do País, 1.196 pessoas ingressaram com pelo menos uma ação ou recurso no Judiciário Trabalhista. Em 2021, o custo da Justiça do Trabalho, para cada brasileiro, foi de R$ 99,83.
No TST, o prazo médio de julgamento é de 1 ano, 4 meses e 13 dias. De 9 meses e 11 dias nos Tribunais Regionais. De 8 meses e 12 dias nas Varas do Trabalho. A execução da sentença exige quase três anos. O acervo, no TST, é de 568.205 feitos. Nos gabinetes dos ministros aguardam pauta cerca de 450 mil.
Embora execuções contra pessoas físicas e jurídicas enfrentem dificuldades, e em alguns casos sejam infrutíferas, a pior situação se verifica nas execuções contra órgãos da administração pública. Ao tempo em que a CLT foi elaborada, o precatório inexistia. Dele não cuidou o processo judiciário do Trabalho.
A institucionalização do calote pela administração pública é fato banal e deplorável. O Art. 100 da Constituição é usado como barreira intransponível para a execução. Rebaixada à condição de título judicial desvalorizado, a sentença é negociada a preços vis pelo credor, com instituições financeiras, fundos de investimentos, escritórios de advocacia.
O Relatório do TST informa que em 2021 foram recebidos 35.254 precatórios e quitados 16.972. No acumulado, pendem de quitação 76.362, emitidos contra a Administração Direta e 17.216 a Administração Indireta, todos com o prazo de pagamento violado.
Ao completar 80 anos, a CLT deve ser saudada pelos serviços prestados na tentativa de resolver conflitos entre trabalhadores e patrões. Não podemos, contudo, ignorar que está mal aparelhada para as mudanças provocadas pela informatização da sociedade. Não previu a globalização, a terceirização, o PJ, a robotização, o PIX, o drone e as ferramentas eletrônicas utilizadas nas atividades humanas em geral.
A elaboração de estatuto trabalhista moderno, compatível com o mundo real, é tarefa inadiável. Creio, aliás, que somos o único país onde ainda se discutem a terceirização, a validade dos contratos, o custeio das entidades sindicais. Estamos atrasados.
– Almir Pazzianotto Pinto é Advogado. Autor de A Falsa República. Foi Ministro do Trabalho e presidente do Tribunal Superior do Trabalho. Criou o Conselho Superior da Justiça do Trabalho. O Estado de S. Paulo, 30/4/2023, pág. A4.