1° Ministro pela sexta vez, Netanyahu negocia o fim da democracia israelense

Graças a uma coalisão de partidos ultra religiosos, Israel, uma democracia moderna, pode se transformar num estado teocrático. Um risco tanto para o judaísmos progressista quanto para o mundo.

Benjamin Netanyahu, primeiro-ministro israelense
Presidente da República Jair Bolsonaro cumprimenta o Primeiro-ministro da Hungria, Viktor Mihály Orbán – Foto Alan Santos/PR

Amigão de Jair Bolsonaro, ao lado de Viktor Órban um dos raros chefes de governo a ter ido à Brasília para a posse em 2019, o ex-primeiro-ministro israelense Benjamin Netanyahu se prepara para voltar ao poder. Negocia, neste momento, com os partidos ultra religiosos, graças aos quais terá maioria na Knesset, o parlamento de Israel. Ao que tudo indica, será bem sucedido, podendo assim formar aquele que certamente será o governo mais antidemocrático que o país já teve, formado por uma coalisão entre o Likud, partido hiper-nacionalista de Netanyahu e partidos ortodoxos, dentre os quais o Sionismo Religioso, de extrema-direita, que junta os fascistas Itamar Ben-Gvir e Bezalel Smotrich, que chegou em terceiro lugar, e o Judaísmo Unido da Torá.

Dias atrás, um amigo me dizia: – Voltamos cem anos atrás, para os tempos de trevas.

Caso a coalisão se confirme, o que saberemos nos próximos dias, o Estado de Israel moderno, representado por Tel Aviv, aberto para o mundo, avesso a todo tipo de discriminação, estará condenado em nome de um processo acelerado de “orbanização”.

Professora de Ciência Política da Universidade Hebraica de Jerusalém, Gayil Talshir

Como disse a professora de Ciência Política da Universidade Hebraica de Jerusalém, Gayil Talshir, à emissora britânica BBC, “Israel está a caminho de se tornar uma nova Hungria sob Orbán”, deixando de ser uma democracia para passar a ser uma autocracia com eleições.

Se fosse “só” isso já estaria de bom tamanho, mas como sempre acontece com a extrema-direita (o bolsonarismo que nos diga) o fundo do poço não existe. O pior é sempre possível.

A ascensão da extrema-direita, do Likud ao Sionismo Religioso, passando pelo Judaísmo Unido da Torá, preocupa, tanto dentro como fora de Israel. Os partidos ortodoxos fizeram, este domingo, uma nova exigência para participarem na coligação: legalizar a separação entre homens e mulheres, em eventos ou atividades financiadas pelo Estado, ou seja em todos os serviços públicos, incluindo a educação. Seria uma espécie de iranização do tratamento às mulheres.

Muro das Lamentações

Na verdade, uma certa separação já existe, muito embora não seja legal. É o caso, por exemplo, do Muro das Lamentações, onde há zonas exclusivas para os homens rezarem e outra onde as mulheres podem orar, mas não da mesma forma que os homens. Há também regras não escritas que ditam que nos ônibus que circulam pelos bairros ortodoxos ou entre um bairro ortodoxo e um terminal de transportes, as mulheres não podem se sentar ao lado dos homens, o mesmo acontecendo em voos da companhia israelense El Al. Em Israel é ilegal segregar, mas isso acontece frequentemente por determinação dos ultra-ortodoxos. Em seus jornais, a imagem feminina não é publicada. Houve um caso paradigmático: A fotografia de Hillary Clinton, então secretária de estado norte-americana, em visita à Israel, foi cortada.

Na educação, em alguns casos, permite-se que homens e mulheres não possam assistir as aulas na mesma sala. A Corte Suprema admitiu a separação em universidades estatais, esperando que assim a presença de estudantes masculinos ultra-ortodoxos aumente. Desta maneira, eles poderiam entrar mais frequentemente no mercado de trabalho. Hoje, apenas uma minoria de ortodoxos trabalha, sendo financiados pelo Estado.

Em duas palavras, “o kahanismo venceu”, como escreveu o diário Haaretz em editorial. “Israel está agora mais próximo de uma revolução autoritária religiosa e de extrema-direita, cujo fim é dizimar a infraestrutura democrática sobre a qual o país foi construído.”

Ben-Gvir, do Sionismo Religioso, é discípulo do rabino americano Meir Kahane, que formou o Kach, partido colocado na ilegalidade em 1994, por incentivar o terrorismo em Israel e nos Estados Unidos. Nesse mesmo ano, Baruch Goldstein, que matou 29 muçulmanos em Hebron, ganhou o título de “herói”.

Primeiro-ministro, Yitzhak Rabin

Foi Ben-Gvir que, em 1995, segurou uma foto do carro do então primeiro-ministro, Yitzhak Rabin, e declarou: “Chegamos ao carro dele, vamos chegar a ele.” Semanas mais tarde, Rabin era assassinado.

Para os seguidores de Kahane os árabes, todos os árabes, são “inimigos” e se propõem a expulsar de Israel os cidadãos palestinos que não forem “leais” ao Estado hebreu.

Os Sionistas Religiosos, teocráticos, que se preparam para entrar no governo, não reconhecem o Estado laico e afirmam a superioridade da lei religiosa sobre o direito civil, como acontece em certos países muçulmanos onde reina a charia.

Ben-Gvir

Em 2015, Ben-Gvir declarou ser “um homofóbico orgulhoso”.

Até pouco tempo atrás, Ben Gvir era visto como uma figura política marginal, “tóxica” até para a direita israelense. Algo parecido com o Bolsonaro do “baixo clero”.

“Os kahanistas não querem apenas ministérios, eles têm uma agenda”, escreveu nas eleições de 2021 o analista Nauhm Barnea, no YnetNews, sobre a entrada do Partido Sionista Religioso no Knesset. “Antes de mais nada, significa a liberdade de terroristas judeus operarem nos territórios ocupados. Segundo, significa a destruição do Judiciário; terceiro, a imposição do apartheid dentro de Israel, a separação racial e de gênero nos hospitais, nas universidades, na função pública; quarto, o reforço dos códigos ultra-religiosos.”

Para eles, o Grande Israel já não é o principal objetivo. Trata-se agora de esmagar tanto os palestinos como os árabes israelenses e os judeus de esquerda sob suas botas, afirma o filósofo Assaf Sharon.

Rabino Kahane

Os tempos mudaram, para pior. Outrora, quando o rabino Kahane falava na Knesset, os deputados do Likud e inclusive outros dos partidos religiosos abandonavam o recinto. Hoje seus seguidores entram no governo.

Entre outras reformas hiper-conservadoras, os ultra-religiosos propõem a mudança da legislação sobre a corrupção para por fim ao processo que Benjamin Netanyahu responde e para que os ministros possam manter-se no cargo mesmo que sejam formalmente indiciados. É o toma lá, dá cá, que amarra o provável futuro primeiro-ministro.

O governo que se anuncia, com a presença desses religiosos ultradireitistas, seria também um problema para a posição internacional de Israel, inclusive nas relações com o seu principal aliado, os EUA.

O judaísmo progressista também é ameaçado pelo nacionalismo sionista

Até os comentaristas israelenses têm alertado para o perigo desta versão do “nacionalismo sionista”, que discrimina árabes, LGBT+ e até judeus reformistas, podendo causar danos à relação privilegiada que Israel tem com os Estados Unidos, “talvez até de forma permanente”; segundo o diário Jerusalem Post.

O cidadão então se pergunta por quê muitos israelenses votaram na extrema-direita religiosa; afinal a economia cresce e o setor tecnológico vive um boom de euforia.

O Haaretz responde: A perda de confiança nas instituições e a intolerância, não apenas em relação aos árabes, mas também aos judeus de esquerda, aos não praticantes, aos laicos e às pessoas LGTB+.

O jornal conclui: “Estas atitudes estão conduzindo ao extremo racismo, que pode desembocar no fim da democracia em Israel e a uma espécie de supremacismo judaico”.

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