O herdeiro do trono mais antigo do mundo, o Príncipe imperial do Irã, Reza Ciro Pahlavi, está polindo a coroa que foi de seu pai, seu avô e de sucessivas dinastias ao longo dos últimos 2.579 anos. Ele está convicto de que será chamado para restabelecer a normalidade em seu País, como ocorreu com seus ancestrais. Não por acaso ele tem os nomes do primeiro e do último rei da Pérsia.
(Os persas seguiriam o exemplo da Espanha pós-franquismo, em 1975, quando o conjunto de partidos, da direita à esquerda, pacificou o País sob o acordão denominado “Concertação”, em torno da figura no príncipe herdeiro, elevado ao trono como rei Don Juan Carlos, ou seja, uma figura insuspeitamente apartidária. E, mais ainda, o que serviria a um Irã teocrático, escolhido. Como se sabe, uma monarca já nasce rei carimbado pelo Criador. Sem discussão.)
O Irã nunca foi colônia. Sua monarquia, com altos e baixos atravessou os séculos. Sua característica foi absorver as diversidades religiosas e compor as forças políticas do País. Com a crise da república muçulmana, lideranças do País já estão sondando o Pretendente (designação para rei destronado), que vive como exilado nos Estados Unidos, para reivindicar a coroa.
Aos 61 anos, o príncipe Reza Ciro falou esta semana no mais famoso centro de pesquisas estratégicas daquele País, o Houston Institute, fundado pelo lendário futurólogo Herman Khan, que ficou conhecido por ser o primeiro a usar modelos de computadores para fazer simulações estratégicas, usadas pelos militares norte-americanos na guerra do Vietnã.
Príncipe de malas prontas
À uma plateia atenta, mostrou-se calmo, como se estivesse com as malas na porta da frente, pronto a embarcar para voltar à cidade onde nasceu, Teerã, em 1960: “É apenas uma questão de tempo para que essa situação chegue ao seu clímax. Acredito que estamos nesse ponto”.
Referindo-se ao levante da classe média, que se opõe ao regime dos aiatolás e foi para as ruas pedir o fim da República Islâmica, completou. “Esse cenário indica semanas ou meses antes do colapso final, não muito diferente do que aconteceu nos últimos três meses de 1978, antes da Revolução”, disse, referindo-se às grandes manifestações que levaram ao colapso o governo de seu pai, o xá Mohammad Reza Pahlavi, destronado em 11 de fevereiro de 1979.
Morreu no Cairo, no Egito, em 27 de julho de 1980, legando sua sucessão a seu filho com a socialite internacional Farah Diba. A classe média letrada derrubou o rei, mas botou um ovo acreditando que o aiatolá Khomeini seria um inocente útil. Ele apertou a esquerda e emparedou a classe média.
Reza Ciro está distante das crises em seu País. O herdeiro do trono relatou não pisar no Irã desde a adolescência. Na sua análise, há evidência de diminuição do medo entre os manifestantes e o crescente distanciamento dos reformistas do regime islâmico.
Nos Estados Unidos, o príncipe apoiou discretamente a punição ao governo de seu País pelo presidente Donald Trump, de impor sanções severas ao regime iraniano, como justificativa de que negociações anteriores tinham falhado. Não é de descartar que tenha o beneplácito do governo de Washington, como em outras oportunidades, quando os Estados Unidos sustentaram a monarquia iraniana.
A dinastia dos Pahlavi, caso Reza Ciro restaure o trono, terá como marca histórica uma crônica de trombadas e golpes. O fundador, Reza Xá Khan, subiu ao trono no bojo de um golpe de estado, em 1925, em meio a uma crise devastadora, provocada pela queda a dinastia anterior, do vetusto Xá (rei em persa) Ahmad Shah Qajar.
Reza Khan era militar de carreira, formado numa escola militar russa dos tempos do Czar. Subiu ao trono num golpe de estado. Seu reinado, que durou até 1941, é anotado na história do País como período de modernização e progresso material.
O rei dos reis
Entretanto, o xá avô era tido como culturalmente tosco. Impressionou-se com os títulos que vinham acoplados à coroa, cerca de 2.000 cognominações. A primeira delas: Shahanshäh, ou seja, “rei dos reis”, que quer dizer, o primeiro de todos os reis da terra.
E também mudou o nome do país, em 1935, de Pérsia para Irão (em português castiço; Irã no Brasil), que significa a terra dos arianos, e lhe conferiu o segundo título da sua coroa: Aryâmehr, “a luz dos arianos”. Essa informação é importante porque com a ascensão do nazismo na Alemanha, em 1933, Hitler procurou seduzir o persa para a tese da supremacia racial.
O vovô Reza Khan não se impressionou, mas foi derrubado por suas qualidades. Na década de 1930, criou em associação com a British Petroleum, a Anglo-Iranian Oil Company (AIOC), para explorar o hidrocarboneto. Construiu a maior refinaria do mundo fora dos Estados Unidos, na época, no porto de Abadan, no Golfo Pérsico.
Esta planta era ligada ao Azerbaijão, já então controlado pelos bolcheviques integrando a República Transcaucasiana da URSS, pela ferrovia Transiraniana, e a rota era chamada Corredor Persa. Quando a Alemanha invadiu a Rússia, em 1941, os aliados temeram que esse fluxo pudesse alimentar a máquina de guerra de Hitler, que avançava celeremente para o Cáucaso procurando, por ali, chegar aos Oriente Médio.
Afinal, a Wehrmacht foi detida pelos russos em Stalingrado e nunca chegou aos poços de petróleo de Baku, na fronteira do Azerbaijão com o Irã. No entanto, antes disso, os ingleses temiam que Hitler pudesse se apossar dessas reservas e desconfiavam que os alemães, que pareciam invencíveis, pudessem, ainda, contar com alguma cumplicidade do Xá Reza Kahn, que estava empolgado com seu status de “ariano número um do mundo”. Rapidamente, Winston Churchill tratou de tirar aquela ameaça da frente.
O Iraque era um protetorado da Inglaterra, ou seja, os britânicos tinham tropas no Iraque. A Liga das Nações (antecessora das Nações Unidas) patrocinara um conchavo denominado “Acordo Syker-Piquet”, em que França e Inglaterra partilharam os atuais países árabes da região. Os ingleses ficaram com Iraque, Jordânia e Palestina; os franceses, com Síria e Líbano.
Desconfiados de que o Xá Reza Kahn pudesse estar em tratativas com os alemães, em 11 de dezembro de 1941, os ingleses atacaram o Irã, tomando Teerã. Um exército britânico, com tropas indianas e metropolitanas cruzou a Ponte de Simbad (denominação daquele personagem das Mil e Uma Noites, sobre o rio Shat al-Arab, e entrou para o território persa.
O mesmo caminho seguido 38 anos depois por Saddan Houssein para atacar seus rivais xiitas. O Xá abdicou e foi exilado na África do Sul, onde morreu dois anos depois. Em seu lugar ficou no trono seu filho, o príncipe Mohammed Reza Malavi, de 19 anos, que governou até 1979, quando foi destronado pelo aiatolá Ruholah Khomeini, líder espiritual da Revolução Islâmica que implantou o atual regime teocrático no País.
Depois que subiu ao trono, o garoto casou-se com a rainha triste, a falhada Soraia (que legou seu nome a tantas mulheres pelo mundo afora), divorciou-se e teve esse Reza Ciro com a segunda esposa (desnecessária, pois sua religião permite a poligamia). Mas Reza Pahlavi queria parecer um ocidental.
Um país tolerante
Agora, seu filho sonha subir ao trono levado por um golpe de estado, como seu pai e seu avô. Para isto é preciso derrubar o clero governante e costurar algum acordo com outras facções do xiismo, pois, seja como for, um estado totalmente laico é quase impossível no mundo islâmico.
Não obstante a imagem radicalizada dessa confissão, o Irã é tolerante com seguidores de outras religiões, ao contrário do grupo rival, os sunitas, predominantes nos países semitas de língua árabe, seus rivais políticos e religiosos. A rivalidade, de fato, é entre as duas grandes correntes do islã: sunitas, 90% do total de fiéis, e xiitas, cerca de 10%. Nos países árabes há enclaves de uma e outra, mas o governo é religiosamente homogêneo. Não há lugar para as minorias.
No Irã, embora sua imagem de intolerância difundida no Ocidente, nem mesmo os iranianos árabes étnicos, cerca de 2% da população, são molestados pelo estado teocrático xiita. Esses semitas seguidores das correntes maometanas sunitas praticam seus rituais livremente, conforme as tradições hanafi, shafe’i, haubali zedi e, no Norte, os curdos sunitas e sufistas.
Também há comunidades remanescentes da Antiguidade: armênios, judeus, assírios e caldeus. No país funcionam 30 sinagogas (o governo se declara inimigo do Estado de Israel, mas não da religião mosaica). Há igrejas e templos cristãos de todas as confissões, tanto romanas (católicos e reformados) como cismáticos (ortodoxos gregos, russos, ucranianos etc.) e de tradições pré-romanas, como os nestorianos e ritos de outros cristãos regionais, muitos deles reconhecidos pelo Vaticano ou pelos patriarcados de origem bizantina.
As legitimidades dos reis
Com tantas vertentes, o estado persa encontrava seu equilíbrio numa monarquia de tradição oriental pré-muçulmana. Qual seja: os reis islamitas tradicionais sunitas legitimavam seus tronos na herança de sangue do Profeta. Todos os monarcas dessa corrente teriam descendência direta de algum filho ou filha de Maomé.
Os reis persas já eram sustentados pela tradição antiga de hereditariedade, conquistada pelo nascimento ou pela força em golpes de estados ou guerras civis. Foi o caso da família Pahlavi, empoderada pelo Exército. Já no Ocidente, os reis europeus do período cristão (Idade Média em diante) ainda são legitimados por Deus Pai, diretamente, no nascimento, muitos coroados pelos papas ou bispos católicos.
Nos tempos da Guerra Fria, o Irã chegou a ter as forças armadas mais bem equipadas da região, tanto em material bélico quanto em treinamento, consideradas como uma barreira de contenção diante da União Soviética, que procurava expandir sua influência através dos países árabes de governo sunita – Iraque, Egito e, neste caso, uma exceção, a Síria; países que, porém, eram governados por um partido laico, o Baath, de inspiração socialista. Esse foi o divisor de águas. Até o xá cair, em 1979, e embaralhar a geopolítica regional. O conflito voltou a ser religioso, sunitas árabes contra xiitas arianos.
A chamada Guerra do Golfo, entre 22 de setembro de 1980, data da invasão do Irã pelo Iraque, até o cessar fogo negociado pelas Nações Unidas, em 20 de agosto de 1988, teve um efeito devastador: 500 mil combatentes mortos, outro tanto de feridos e também meio milhão de civis mortos, feridos ou mutilados (grande parte pela explosão de minas terrestres deixadas pelos militares em suas retiradas).
(CONTINUA NESTE DOMINGO, 26/01/2020)