Já vimos articuladores de governos diversos negociarem a derrubada de vetos em troca de novos acordos políticos, mas a cena deste fim de semana foi inusitada. Jair Bolsonaro vetou o dispositivo da lei que perdoava as dívidas tributárias das igrejas, que poderia ter impacto próximo de R$ 1 bilhão, mas correu para as redes sociais para dizer aos parlamentares que, fosse ele deputado ou senador, derrubaria o próprio veto. É incrível a falta de apreço que o presidente parece ter pela própria credibilidade, e chega a ser desconcertante, para um chefe de Estado, a explicação: vetou porque temia ser alvo de um processo de impeachment por descumprir a responsabilidade fiscal.
Certamente, terá sido esse o argumento de integrantes da equipe econômica para convencê-lo a vetar. Só mesmo uma ameaça para levar Bolsonaro a contrariar sua base evangélica, que tem mais de 190 deputados e muitos votos país afora. O que mais surpreende, porém, é a dificuldade do presidente da República de cumprir sua obrigação de decidir o que é conveniente para o país — e ponto final.
Aparentemente deslumbrado com a relatlva melhora em seus índices de aprovação, o Bolsonaro que, há poucos meses, no fundo do poço, temia o impeachment, agora politizou todas as suas decisões em nome do sonho da reeleição. Ele não governa mais; faz campanha. Mesmo quando tem que decidir, dá nó em pingo d’água para não desagradar quem pode vir a ser seu eleitor em 2022.
É esse o roteiro que vai dominar até lá. O auxílio emergencial foi prorrogado, embora com valor menor, porque vem eleição aí – e todo mundo sabe que o Renda Brasil, o novo programa de renda não dará cobertura aos mais de 40% da população que recebem o auxílio hoje. Nessa caso, Bolsonaro pensou nas eleições municipais de novembro, nas quais pretende desbancar a supremacia petista no Nordeste, o que considera um primeiro passo para se reeleger.
Como o presidente só pensa naquilo, o veto “fake”faz parte de uma narrativa artificial que ele vem tentando impor ao país. Estamos saindo da pandemia, e fomos um dos países que melhor se saíram, diz ele, esquecendo os mais de 130 mil mortos. A culpa pela recessão e pelo desemprego — que vai explodir até o fim do ano — é dos governadores e prefeitos, que insistiram em impor o isolamento à população. Ele, Bolsonaro, não tem nada com isso.
Vai tudo bem no país de Jair Bolsonaro — que não parece ser o da maioria dos brasileiros. Talvez ele só venha a descobrir isso em 2022.