Na magistral obra de Monteiro Lobato – o Sítio do Picapau Amarelo – ganha muitas vezes ares de protagonista certo personagem que tem na boca uma torneirinha de asneiras. Fala o que quer. Ri dos seus próprios pensamentos inconvenientes. Teimosamente, é quase sempre muito difícil demover tal personagem da incorreção e inconveniência do que diz.
Certa vez, esse personagem resolveu reformar a natureza. Instalou o ninho nas costas dos passarinhos. Fez com que os livros se tornassem comestíveis. Tirou as cascas das laranjas e de outros frutos. Enfim, imaginou que tudo o que durante todo o tempo anterior foi feito estava errado e precisava ser reformado.
Não demorou muito para que se verificasse a imensa confusão por trás daquelas mudanças. Os passarinhos não aguentavam o peso sofrido de ter que o tempo todo carregar nas costas seus ninhos. O porquinho rabicó comeu na estante o volume da Ilíada de Homero e as obras completas de William Shakespeare, apenas pelo sabor de alho e tempero e não pela beleza do conteúdo. Sem as cascas, as laranjas estragavam-se no transporte e eram alvo mais fácil dos insetos e outros predadores.
Enfim, rapidamente todos aqueles que tinham sido “reformados” reclamavam do resultado para elas das reformas. Dona Benta ralhou sobre a reforma: “Que absurdo (…) reformar a natureza! Quem somos nós para corrigir qualquer coisa do que existe! E, quando reformamos qualquer coisa, aparecem logo as consequências que não previmos!.
Mais adiante, dirá dona Benta: “Eu reconheço suas boas intenções. Você tudo fez na certeza de estar agindo pelo melhor. Mas não calculou uma porção de inconveniências que podem acontecer, e estão acontecendo”.
Mas o personagem, ao final, segue teimosamente defendendo suas mudanças. Na prática, de boa parte das reformas recua, sem, porém, admitir claramente. Mas foi aprendendo. “E assim terminou a aventura (…) da Reforma da Natureza”, escreve Lobato. O personagem “aprendeu a planejar a fundo qualquer mudança nas coisas, por menor que fosse. Viu que isso de reformar às tontas, como fazem certos governos, acaba sempre produzindo mais males do que bens”.
Política? Quem está falando de política? O tema aqui é literatura infantojuvenil…