Pressionado pelo escândalo causado pela inacreditável soltura de André do Rap, um dos chefões do PCC no tráfico internacional de drogas, o STF finalmente resolveu dar um basta no ministro Marco Aurélio Mello e em sua velha e controvertida coleção de habeas-corpus. E foi de lavada. No primeiro dia de julgamento, com o placar de seis votos a zero, já se formou a maioria para confirmar a cassação do alvará de soltura de André do Rap. O problema é que ele, mais uma vez foragido, já ganhou o mundo.
O ministro Luiz Fux, novo presidente do STF, até pegou leve com Marco Aurélio. Disse, por exemplo, que ao sair do radar o traficante debochou da Justiça. Era o previsível. O ministro não teve nem o cuidado de determinar que usasse uma tornozeleira eletrônica, hoje comezinha em presos de todos os naipes. Ainda mais em criminoso condenado em dois processos na segunda instâncias a penas de cadeias de mais de 25 anos. Marco Aurélio realmente é um ponto fora da curva, mas não é o único que abusa de decisões monocráticas para polêmicas solturas de presos. Seu colega Gilmar Mendes também é useiro e vezeiro nessa mesma prática.
Gilmar Mendes faz jus à fama de campeão no quesito canetada para tirar gente enrolada da cadeia. Ele é recordista na concessão de habeas-corpus. Um levantamento feito em janeiro no acervo processual do STF mostrou que até ali Gilmar havia concedido 620 decisões monocráticas, praticamente o dobro do segundo colocado nesse ranking. Quando é o relator costuma optar por decisões monocráticas. Se a decisão é de outro colega, busca outro tipo de jeitinho.
Nos últimos meses, na condição de atual presidente da Segunda Turma do STF, Gilmar aproveitou as seguidas ausências por motivos de saúde do então decano Celso de Mello e conseguiu pelo menos 10 dez empates que beneficiaram investigados, réus e condenados acusados de corrupção. Foi, por exemplo, quem atropelou a decisão do ministro Felix Fischer, do STJ, e mandou o famoso casal Fabrício Queiroz e Márcia de Aguiar para a prisão domiciliar.
Mas isso pode acabar. Uma proposta de mudança no regimento do STF apresentada pelo ministro Luís Roberto Barroso, que ele voltou a defender na sessão de ontem, está na bica para ser aprovada na próxima reunião administrativa dos ministros do Supremo. Ali já conta com cinco votos e Fux que ainda não votou já se declarou favorável. De acordo com o projeto de Barroso, toda e qualquer decisão cautelar ou liminar individual de um ministro tem que ser imediatamente submetida ao plenário virtual ou físico do tribunal para ser ratificada ou não. Assim, o colegiado pode corrigir canetadas inexplicáveis.
Pelas regras atuais, não há prazo. Geralmente depende da disposição de quem concedeu um habeas-corpus para submetê-lo aos colegas. Por exemplo, em outra polêmica decisão tomada em abril, Marco Aurélio Mello mandou soltar Valter Lima Nascimento, o Guinho, outro chefe do PCC condenado a mais de 20 anos de cadeia por tráfico internacional de drogas. Usou os mesmos argumentos da decisão sobre André Rap, agora rejeitados pelo plenário do tribunal. Em setembro, a Primeira Turma do STF, em relatoria do ministro Alexandre de Moraes, cassou a decisão sobre Guinho.
Na sessão de ontem, a maioria dos dos ministros se manifestaram pela necessidade de uma correção de rumos em uma reforma regimental. Dos quatro votos previstos para a sequência do julgamento nessa quinta-feira, três são autores de concessões de habeas-corpus e medidas polêmicas — Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes e Marco Aurélio –, responsáveis pela reversão de várias decisões da Lava Jato, e adversários ferrenhos do ex-juiz Sérgio Moro.
Evidentemente, Marco Aurélio vai defender sua decisão já rejeitada pela maioria de seus colegas. A tendência, porém, é que fique sozinho. Gilmar e Lewandowski, que não estão gostando nada da nova gestão no STF, certamente farão criticas a Fux, mas não devem acompanhar Marco Aurélio. A verificar. O mais importante em jogo, porém, é o avanço na reforma regimental para fechar um ralo muito bem aproveitado pelos criminalistas que defendem clientes de colarinho branco. A mudança não acaba, mas pode reduzir a impunidade. O que nesses tempos esquisitos pode ser uma boa notícia.
A conferir.