O artilheiro-paraquedista Jair Bolsonaro deu um primeiro tiro n’água, mas já no segundo disparo acertou o marujo à meia-nau, pondo a pique a esperança de um gabinete mais contido, sem guerras ideológicas explícitas. Carlos Decotelli, indicado ministro da Educação, marinheiro na juventude, nem esquentou a cadeira. Foi demitido no fim da tarde desta terça-feira, 30.
Na manhã desta terça, ele ainda tinha esperanças de continuar no cargo, pois o MEC estava com toda sua máquina parada há dias, num momento crucial, às vésperas do Enem, decisivo no calendário do ensino brasileiro. Mesmo precária, sua nomeação era oficial e seus atos legais válidos. Daria vazão aos expedientes represados.
Na segunda-feira, 29, depois de uma reunião com o presidente Jair Bolsonaro, no Palácio da Alvorada, o ainda ministro Carlos Decotelli foi jogado aos leões. Seu desafio, como dos cristãos no Coliseu, seria escapar das feras. Como bom crente das hostes do presidente da República, teria de demonstrar na prática, em curtíssimo prazo, sua capacidade de se movimentar em terreno hostil, para sobreviver ao desastre de sua ascensão ao primeiro escalão do governo, cheia de diplomas inexistentes e suspeita de plágio. Não conseguiu.
Indicação militar
Apresentado como um hábil negociador, respaldado pela indicação da um representante da Marinha no Palácio do Planalto, o almirante da ativa Flávio Augusto Viana Rocha (diretor da SAE), referendado pelos quatro estrelas do Exército mais bem posicionados, o vice-presidente Hamilton Mourão e o assessor especial da GSI, Eduardo Villas Bôas, Decotelli chegou ao presidente Jair Bolsonaro vestido num invejável currículo acadêmico e a fama de negociador habilidoso, ouvinte paciente e direitista da linha civilizada, capaz de aplacar as fúrias da mídia.
Devido ao esparramo provocado pelo elefante na loja de cristais, como foi a passagem do ex-ministro Abraham Weintraub pelo Ministério da Educação, que o chefe do governo não teve como tirar Decotelli de supetão. Ele caíra do céu como uma luva. Assim como a bênção, de uma hora para outra o santo desmoronou no quinto dos infernos, derretendo todas suas credenciais. Coisas da política. Não deu.
Almirante abandona o barco
Num piscar de olhos, Decotelli mudou sua configuração: desembarcara no Planalto Central com a imagem de sábio cientista social superqualificado, que, em poucas horas, virou a figura de um farsante, pois nenhum de seus títulos parou de pé, nem mesmo a docência na Fundação Getúlio Vargas, onde ele diz trabalhar há 40 anos; de sinuelo da tentativa de um ministério de notáveis transfigurou-se para persona incômoda, tisnada por desconfianças das universidades que cursou.
Mudou do apoio militar da Marinha para a prancha de execução do costado do navio e uma discreta retirada do almirante e dos envergonhados generais. Não seria tudo, pois surgiram novos obstáculos, suspeitas consistentes de improbidade ou incompetência na sua gestão do FNDE nos primeiros dias do atual governo.
Mas ele continuava lá até esta tarde, com a caneta na mão e seu nome no Diário Oficial da União legitimando o cargo, dando conta do expediente atrasado. Agarrado à última tábua de salvação, ele flutuava ao sabor das ondas. Era tamanho o estrago na Educação, resultante da gestão anterior, que, mesmo assim, com suas capacidades comprometidas, ele talvez tivesse condições de evitar o pior, qual seja: um engalfinhamento catastrófico entre as alas do bolsonarismo pelas ruínas do MEC.
É tão grave a situação no Bloco L Anexo 1 da Esplanada dos Ministérios, no imponente Eixo Monumental de Brasília, que, até ontem, o presidente não teve outra saída, senão pedir que ele fosse ficando até encontrar outra solução – que acabou não surgindo. Havia a expectativa de que os opositores internos amenizassem seus ataques em nome do mal menor. Agora, sem Decotelli, volta o temor de surgimento de outro Weintraub e seus vitupérios. Os nomes aventados para a sucessão vêm da ala ideológica.