Donald Trump pode ser declarado insano? Esta é a questão. A 25ª Emenda da Constituição dos EUA é uma medida administrativa tomada pelo gabinete (ministério) para reestabelecer o poder em caso de colapso pessoal do chefe do Executivo. Não é uma medida política. A cassação é prevista pelo impeachment, um mecanismo bem conhecido.
A consequência política da aplicação deste dispositivo, a 25ª Emenda, será o afastamento definitivo do presidente Donald Trump da vida política, ou seja, ele não poderá ser candidato em 2024. Terá que ser declarado irresponsável, demente, insano, o que for, mas irremediavelmente enfermo, isto sim, positivamente. É isto que está se discutindo nos bastidores: Trump ou não Trump.
Aliados de fé
O espírito da Emenda 25 é límpido: só pode ser tomada pelos aliados de fé do presidente da República. O encaminhamento é pelo vice-presidente do País, lá sempre um companheiro de partido, conjuntamente com a metade do ministério. Ou seja: só em caso inequívoca de incapacidade seria invocada.
A responsabilização política pelos eventos do Capitólio, a sede do Parlamento norte-americano, teria de ser por meio do impeachment, atribuição do Congresso Nacional, seguindo seus rituais, o que, em termos de tempo e prazos, caducariam antes mesmo de a denúncia ser lida para o plenário da Câmara dos Representantes (aqui no Brasil, dos Deputados). Por aí Trump passa o poder, como ele já disse que vai fazer, mansinho e cordato.
Fusível de segurança
Este dispositivo foi criado para atender a uma urgência em caso de guerra. Em 1950, as novas armas, aviões de longo alcance e bombas atômicas, abriram os olhos dos governantes.
Em caso de esquentar o conflito da Guerra Fria, o presidente adoecendo gravemente (um derrame cerebral ou algo assim), seria necessária uma ação imediata, em minutos, pois o míssil intercontinental inimigo poderia já estar a caminho, ou seja, a minutos de Washington. Pela legislação dos Estados Unidos, somente um presidente no poder poderia apertar o botão vermelho do contra-ataque nuclear. Assim mesmo, para afastar o governante, o vice-presidente precisaria da concordância da maior parte do gabinete para assumir seus poderes com o presidente vivo. Uma chave de segurança, um fusível.
Stalin era a ameaça
No início da Guerra Fria foi a primeira vez que se falou de algo assim. Começo dos anos 1950. O mundo vivia a era do medo, do terror nuclear, e os norte-americanos, em desvantagem política, pois, do outro lado, estava, ainda, nada menos do que Joseph Stalin, o todo poderoso ditador da URSS, com uma bomba nuclear na mão.
Nos Estados Unidos, o presidente no poder, o general Dwight Eisenhower teve uma ameaça de colapso. Ascendeu o farol amarelo. Entretanto, o projeto não avançou, tamanho o temor de que isto pudesse ser usado para um golpe de estado. O vice-presidente era nada menos do que o novo e mais ambicioso político que jamais pisara as lajotas do prédio Number One Observatory Circule (Rotatória do Observatório Número Um), a residência oficial dos vice-presidentes dos Estados Unidos. Então, o assunto foi enterrado.
Arma politica
A arma política para destituir um presidente da República incapacitado ou inviabilizado seria o impeachment, com os mecanismos, prazos e rituais que vêm desde os tempos da Independência, no Século XVIII, antes da Revolução Francesa, adotado depois por outras repúblicas, inclusive a brasileira. Naqueles tempos, a presidência foi criada para substituir os reis.
Daí o mandato de tempo fixo, as proteções e imunidades, enfim, garantias do mandatário. Com as quedas dos absolutismos, a presidência sobreviveu como um poder muito forte nas repúblicas presidencialistas, pois o governo de fato, no resto do mundo, continuou para os parlamentos e seus gabinetes precários, podendo produzir mudanças radicais sem muitos traumas. Este era o sentido. É assim que funciona.
Nova América
O dispositivo da Emenda 25 foi criado, finalmente, em 1967. O vice-presidente era o moderadíssimo Hubert Humphrey. A Emenda foi logo invocada, no mandato seguinte, para afastar o presidente Richard Nixon, envolvido nas trapalhadas do Caso Watergate. Não deu. Lá adiante, quando ficou insustentável, ele renunciou junto com seu vice, Spiro Agnew, e o Congresso elegeu outro sucessor, o senador Gerald Ford, que terminou o mandato.
Ou seja, o ministério não acatou a pressão parlamentar. O mesmo que está ocorrendo com Trump. O Partido Republicano ainda não decidiu se soterra ou não o presidente. Pode ser que ele seja o candidato mais viável em 2024.
Seja como for, Trump é uma alternativa de poder real para enfrentar o sucessor (ou sucessora) de Joe Biden, um nome que deve sair da esquerda, especulando-se com a vice Kamala Harris, pois, diz-se nos EEUU, o chefe do Executivo estará muito velho para um segundo mandato. Então os Estados Unidos chegarão ao paroxismo, com a disputa aberta entre um supremacista branco contra uma mulher negra e filha de imigrantes. Uma nova América está emergindo dessas sombras.
Invasões do Capitólio
Quanto ao caso do Capitólio, é um prato antigo para ativistas nos Estados Unidos. Já sofreu vários atentados. Muito lembrado o bombardeio pela artilharia britânica na guerra de 1814, que arrasou o prédio. De lá para cá, houve outros casos de violências. Há registros em 1835, em 1915 e em 1983.
Em 1950, um ativista latino tentou matar o presidente Harry Truman numa sessão da Câmara. Em 1954, um grupo de terroristas de Puerto Rico, liderados pela ativista Lolita Lebrôn, abriu fogo das galerias, ferindo a bala cinco parlamentares.
Portanto, não é novidade o que ocorreu esta semana. Os norte-americanos são um povo reconhecidamente violento, armado e com militâncias racistas muito estridentes. Aí está a raiz dessa crise toda. Entretanto, é preciso olhar o quadro da sucessão de 2024, pois lá, como aqui, a eleição seguinte começa na véspera da posse do novo presidente. Joe Biden entra no Salão Oval da Casa Branca dia 20 de janeiro.