Existe uma máxima na política de que obra de saneamento não dá votos. Por ficar embaixo da terra e causar transtornos à população enquanto está sendo executada, boa parte dos governantes acaba optando por obras visíveis aos olhos dos eleitores, de preferência que possam ser inauguradas com festa. Talvez por isso, o Brasil ocupe a 112ª posição entre 200 países, em um ranking mundial sobre saneamento. Uma calamidade.
Dados do IBGE apontam que 57 milhões de residências no Brasil ainda não tem acesso à rede de esgoto e 24 milhões não possuem água encanada. O Instituto Trata Brasil apresenta números ainda mais estarrecedores: cerca de 35 milhões de pessoas não têm água tratada; apenas 38% do esgoto produzido no país é tratado e quase 100 milhões de pessoas não têm acesso à coleta de esgoto.
Se analisarmos os dados por região, veremos uma discrepância enorme em relação às condições de saneamento. Os estados das regiões Norte e Nordeste, por exemplo, possuem os menores índices de acesso à água encanada e saneamento. Em Rondônia apenas 43% da população recebe água tratada em casa. Já os estados do Sul, Sudeste e Centro-Oeste têm índices de acesso à água entre 80% (Mato Grosso) e 96% (São Paulo).
Apesar dos dados preocupantes, o Congresso continua adiando a aprovação de propostas que alterem as regras para o serviço de saneamento e que podem possibilitar o cumprimento da meta de universalização dos serviços.
Duas medidas provisórias sobre o tema (844/18 e 868/18) – editadas ainda no governo Michel Temer – perderam a validade por falta de acordo para votação.
Esta semana mais um adiamento jogou a decisão sobre o novo marco regulatório do saneamento básico para o ano que vem. O PL 3261/19 do senador Tasso Jereissati (PSDB-CE) deveria ter sido aprovado na última quarta-feira. Já havia um acordo no Senado para garantir a inclusão do texto da Câmara na semana que vem, concluindo todo processo legislativo antes do recesso.
No entanto, uma manobra de plenário, acabou mudando todo script. Os deputados aprovaram a preferência para votar o PL 4162/19, enviado pelo Executivo em agosto. Além de atrasar a decisão para 2020, já que ainda falta votar os destaques antes de enviar o projeto para o Senado, os deputados garantiram a palavra final sobre o texto que irá a sanção presidencial.
O projeto facilita a concorrência para a exploração dos serviços de saneamento, permite a privatização das estatais, exige licitação para a contratação desses serviços e estabelece o ano de 2033 como prazo final para a universalização dos serviços de água e esgoto no Brasil, entre outros pontos.
A grande discussão que vem atravancando a aprovação da proposta gira em torno da possibilidade de privatização das estatais. Parlamentares contrários ao projeto alegavam que essa proposta iria prejudicar os mais pobres e aumentar o valor pago pelos serviços prestados.
Já os deputados favoráveis ao texto, destacavam os investimentos esperados para a exploração dos serviços e a falta de condições das estatais. Durante o debate sobre o projeto, foi colocado o grau de endividamento das empresas estatais de saneamento que em alguns casos chega a 110%. “Se dependermos delas talvez em 60 anos teremos a universalização dos serviços”, disse o relator do PL, deputado Geninho Zuliani (DEM-SP).
O fato é que as estatais não estão dando conta de atender as necessidades de universalização dos serviços de saneamento e muita gente ainda sofre, especialmente nos rincões do país. Infelizmente, mais uma vez a população vai continuar esperando.