Mato Grosso do Sul em polvorosa. A volta do ex-ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, a Campo Grande vai expor um dilema que está urtigando o Democratas no Estado: quem será cabeça de chapado DEM em outubro de 2022?
Com 65,27% dos votos do segundo turno, o presidente Jair Bolsonaro será um eleitor decisivo no pleito, mas ainda não se sabe a quem poderá apoiar quando tiver que decidir entre os dois nomes que se qualificam neste momento: o ex-ministro da Saúde ou da ministra da Agricultura, Tereza Cristina? Problema bom, duas candidaturas vencedoras.
Segundo turno à vista
Como handicap do capital eleitoral do presidente da República, os candidatos apoiados por Jair Bolsonaro têm uma catapulta de lançamento que, de início, já os colocaria no segundo turno. Qualquer que seja o adversário, estará em condições equivalentes, pois o atual governador, Reinaldo Azambuja, estará terminando seu segundo mandato – inelegível, portanto. Porta aberta para novos pretendentes.
Os dois, no entanto, têm uma ameaça à frente: o DEM está se recompondo com o PSDB para reconstruir a coligação vencedora em 1994 (FHC e Marco Maciel), desta feita com a adesão do MDB (Orestes Quércia, em 1994), que rompeu a aliança com o PT dos ex-presidentes Lula da Silva e Dilma Rousseff. Os democratas estariam propensos a formar o núcleo duro da grande frente de centro que está em articulação para enfrentar o comboio direitista da família Bolsonaro. Se isto ocorrer na eleição nacional, a legenda será impedida de postular o apoio do chefe do governo para o pleito estadual.
Nos próximos dias vai ser possível avaliar o grau de ruptura entre o ex-ministro e o presidente durante a crise da pandemia. Se as feridas cicatrizarem a tempo, não será de estranhar que os dois estejam lado a lado na eleição de 2022. O PT é um partido muito forte em Mato Grosso do Sul, estado que já governou por duas vezes e elegeu senador, Delcídio do Amaral, também pelo voto majoritário.
Já a ministra Tereza Cristina está nas boas graças do presidente, mas na mira dos artilheiros, e, principalmente, dos artilheiros de suas redes sociais, de onde saem os torpedos que vêm abatendo os aliados que, de uma forma ou de outra, atravessam o caminho dos apoiadores virtuais. As boas notícias vindas da China, que manteve as compras de commodities agrícolas, asseguram à deputada o apoio entusiástico de todos os segmentos do agronegócio: produtores, fornecedores de insumos, transportadores e redes de abastecimento, além, é claro, dos exportadores e importadores integrados a essa cadeia de produção. No mercado interno, o segurança alimentar reforça a imagem de eficiência administrativa e capacidade política.
Linhagens políticas
Os dois têm política nos seus DNAs. Mandetta é um democrata castiço, pois sempre esteve no partido desde seu primeiro mandato. Isto fortalece sua posição na eventualidade de uma disputa na convenção partidária.
Em 2018 votou com o partido. Além disso, ele vem de um clã com muitos quadros no cenário sul-mato-grossense: os sobrenomes Trad e Siufi tem presença em vários espaços no setor público do Estrado. Seu pai, o médico Hélio Mandetta, foi vice-prefeito de Campo Grande.
Os dois tem nomes de referência. Tereza Cristina (Correa da Costa Dias) também traz um nome histórico, pois seu avô, Fernando Correa da Costa, foi duas vezes governador de Mato Grosso (antes da separação), senador e prefeito de Campo Grande.
Já Mandetta foi secretário de Saúde da capital (na gestão do prefeito Nelsinho Trad, seu primo-irmão), presidente da Unimed, que embora seja reconhecida como um plano de saúde, é uma cooperativa de médicos.
Tereza Cristina chegou a DEM no bojo de uma crise em seu partido, o PSB, na Câmara Federal. Ela teve de sair da legenda, quando discordou da direção nacional no episódio do impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff.
A ministra apoiou o governo do presidente Michel Temer, enquanto os socialistas foram para a oposição, alinhando-se com os partidos de esquerda. Também no DEM, foi contra a orientação partidária na sucessão presidencial, pois o DEM estava na coligação liderada pelo ex-governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, do PSDB, e a deputada alinhou-se desde o início com o capitão Jair Bolsonaro.
Não foi afastada nem punida. Hoje isso conta ponto para receber o apoio do presidente da República numa eleição. Não é dos convertidos de segundo turno. Mandetta votou no ex-governador paulista no primeiro turno.
Em Mato Grosso do Sul, Tereza Cristina tem uma imagem invejável como administradora. Entrou na política no governo do médico André Puccinelli, do PMDB, como multisecretária, comandando simultaneamente quatro pastas, abarcando praticamente toda a área de produção no Estado: secretária de Desenvolvimento Agrário (Agricultura e Pecuária, Indústria, Comércio e Turismo e Planejamento). Com tamanho destaque, seria a candidata natural ao governo do Estado.
Entretanto, o PMDB na época, em 2014, estava aliado ao arquiadversário Partido dos Trabalhadores, com seu presidente nacional, o deputado federal Michel Temer, integrando como vice-presidente da República a chama da candidata oficial Dilma Rousseff. Ela não poderia migrar, também, para o PSDB, que tinha seu candidato, o governador de São Paulo, José Serra. A solução encontrada foi ingressar no PSB, que apresentaria um candidato de oposição ao governo federal, o ex-governador de Pernambuco Eduardo Campos.
O projeto do PSB fracassou com a morte do líder do partido num acidente aéreo, dia 13 de agosto de 2014. Tereza Cristina ficou sem alternativa, apresentando-se candidata à deputada federal. Tinha o apoio maciço do setor do agronegócio, que perpassava todas as áreas de gestão no governo, no campo e nas cidades, na indústria e no comércio. Foi eleita e iniciou seu mandato como líder do partido na Câmara e, logo em seguida, como presidente da Frente Ruralista.
De volta ao Estado
Mais uma vez as vicissitudes da política parecem embaçar o quadro político de Mato Grosso do Sul, envolvendo Tereza Cristina. Enquanto ela se desdobra em seu ministério, enfrentando uma crise mundial nos mercados internacionais, área fundamental de sua pasta, o concorrente, o deputado Luiz Henrique Mandetta, afastado no auge de sua popularidade no Ministério da Saúde, declara que se refugiará em seu estado para descansar das fatigas do cargos que ocupava.
Nesse recolhimento, entretanto, ele terá oportunidade de trabalhar suas bases partidárias, poderá apresentar-se ao público como vítima de uma injustiça, assumir uma posição beligerante em nível nacional, capacitando-se para voos mais altos, e ainda participar ativamente da campanha eleitoral deste ano, algo fundamental para um pré-candidato fortalecer seu projeto. Mesmo que não seja o candidato a presidente da frente de oposição, o simples fato de estar em cogitações já o projeta Mandetta positivamente.
Enquanto isto, a ministra estará distante, longe fisicamente, sem condições de operar suas bases na intensidade necessária para assegurar sua indicação. Um apoio decidido do presidente da República poderá decidir, caso até lá ele possa transferir sua votação, repetindo o feito de 2018.