Cheguei a Brasília em março de 1962, não tinha três anos ainda. Cresci aqui, estudando em várias escolas e fazendo amigos. Era uma época em que os políticos moravam de fato na cidade com suas famílias. Muito comum, então, estudar, jogar bola ou ir a festinhas com os filhos e filhas de deputados e senadores. Quem viveu esse período, mesmo com a ditadura, tinha acesso aos políticos, convivia com a política.
Vinte anos depois, em 1982, me formei e fui trabalhar em jornal. Voltei a ter contato com a política institucional; na faculdade, fui ativo apenas no movimento estudantil. Por ser daqui, além de jornalista, acompanho os presidentes da República desde o último do ciclo militar, o general de cavalaria João Batista Figueiredo. Vi dentro do Congresso a eleição indireta de Tancredo Neves.
Acompanhei a saída de Figueiredo pela porta dos fundos e José Sarney sendo empossado. Trabalhei na primeira eleição direta para presidente da República depois de quase 30 anos: Fernando Collor representando o novo e caçando marajás do serviço público foi eleito. Derrotou velhos caciques. Cleptocrata e liderando uma quadrilha, foi destituído do cargo por não ter base política no Congresso. Foi tachado de louco por muitos.
Com o afastamento do alagoano, vi Itamar Franco assumir e criar a república do pão de queijo. Matreiro, experiente fez um governo sem sobressaltos e escolheu seu sucessor voando na popularidade do Plano Real. Fernando Henrique Cardoso, o professor de sociologia perseguido pela ditadura, foi eleito e reeleito depois de aprovar o instrumento da reeleição. Ficou oito anos no cargo. Foi substituído por Luiz Inácio Lula da Silva, um fenômeno que carregava toda uma simbologia – a do migrante nordestino que venceu no Sul e virou o primeiro presidente operário do Brasil.
Deslumbrado com os punhos de renda, abriu as portas para que a corrupção gangrenasse todo sistema político. Mesmo assim apoiou e elegeu a primeira mulher presidente da história: Dilma Roussef. Eleita e reeleita, também não resistiu à crise de corrupção sistêmica, perdeu apoio político e foi arrancada da cadeira no longo processo de impeachment. Michel Temer assumiu e logo se transformou na encarnação ambulante, não sem razão, do desvio de dinheiro público. Fechou o mandado manco, sem autoridade e nenhuma popularidade.
Nisso, numa raia própria, um obscuro ex-capitão, expulso do exército por indisciplina, corria solto sem chamar a atenção dos analistas políticos. Montado num discurso violento e de combate à roubalheira dos políticos, como se ele mesmo não fosse deputado havia 28 anos, começou a aparecer nas pesquisas.
A rejeição ao PT, o trabalho imundo das redes sociais e uma facada que quase lhe tirou a vida pavimentaram a raia e ele cruzou o disco de chegada na frente de todos. O estrago já estava feito quando começaram a perceber que provavelmente o país havia eleito um louco.
A saída do ex-ministro Sérgio Moro e a reação do Bolsonaro à entrevista dele comprovou o que muitos já tinham certeza: o homem é um maluco sem método. Tenho uma amiga que considera a palavra “melancolia” a mais bonita da língua portuguesa. Ela pode até ter razão como licença poética, mas não quanto ao efeito que o sentimento provoca. Vivemos hoje um momento melancólico. Isso não é bom.