Ao apostar suas fichas no sucesso de Donald Trump e nos delírios de seus filhos de uma nova ordem mundial em que a extrema direita tomasse conta do baralho, o presidente Jair Bolsonaro colhe derrotas no Brasil e no Exterior. Suas reações infantis a esses infortúnios ultrapassam o ridículo de ditadores e outros malucos que governaram países por variadas circunstâncias. Sua ameaça de trocar a saliva por pólvora na relação com os Estados Unidos na futura gestão de Joe Biden virou piada internacional.
Diferente da demência do clã Bolsonaro que surfou em uma onda em vários países puxada pela surpreendente vitória de Trump ao derrotar, em 2016, a favorita Hillary Clinton, o eixo mundial volta ao seu centro. Aqui e nos Estados Unidos. A pandemia do novo coronavírus parece ter um dado choque de realidade planeta afora. Os Bolsonaros estão atordoados, mas até agora dão a impressão de não terem entendido os recados das urnas no Brasil e nos Estados Unidos.
Em circunstâncias sem precedentes na nossa história, temos um governo que se diz inimigo de todos os outros governos tidos como de esquerda, mas briga mesmo com as maiores democracias ocidentais. Fala mal da China, mas briga com a Alemanha e a França, líderes da União Europeia, e resiste a reconhecer a democrática derrota de Donald Trump nas eleições americanas.
O governo Bolsonaro não se move por bússola alguma, sequer pelas birutas de aeroportos que indicam a direção do vento. Sua última intervenção nas eleições municipais, com a divulgação de uma listinha de candidatos nas redes sociais, não resistiu às pesquisas de boca de urna e foram apagadas. Escalou um time de derrotados. Mais um tiro no próprio pé.
Enquanto Jair Bolsonaro repete os delírios de Carlos Bolsonaro e Eduardo Bolsonaro — Flávio Bolsonaro só quer escapar da Justiça com os crescentes indícios e provas do seu envolvimento no esquema das rachadinhas –, uma boia lhe for jogada pelo ex-presidente Barack Obama, uma personalidade mundial e a maior liderança nos Estados Unidos mesmo depois de quatro anos fora do poder.
Com a sua habitual gentileza, Barack Obama, em entrevista exclusiva a Pedro Bial, que foi ao ar na Globo nessa madrugada, recomendou a Bolsonaro que, na relação entre nossos países, a saliva é bem melhor que a pólvora. Disse que a gestão Joe Biden vai privilegiar o combate ao aquecimento global e ao coronavírus — dois desastres ignorados pelas administrações de Trump e de Bolsonaro.
Obama foi didático. “Minha esperança é que, com a nova administração de Biden, há uma oportunidade de redefinir essa relação. Sei que ele vai enfatizar que a mudança climática é real, que Estados Unidos e Brasil têm um papel de liderança a desempenhar. Sei que ele vai valorizar a ciência sobre a Covid-19, e o fato de que o vírus é real.”
Bolsonaro que já fez um cavalo de pau com a “velha política” e se entregou aos braços do Centrão — seu governo comemora inclusive o bom desempenho desses novos parceiros nas eleições municipais –, tem agora uma janela de oportunidades para uma mudança da relação com o futuro governo americano. Claro que vai ter de fazer um contorcionismo ainda maior.
Esse é o dilema no núcleo do bolsonarismo. Como trocar o negacionismo com a pandemia e o desmatamento da Amazônia por um comportamento racional e minimamente razoável diante desses dois grandes problemas? A chamada ala ideológica do governo não quer nem ouvir falar disso. Os militares e outros integrantes do grupo identificado como pragmático avalia que essa mudança é necessária.
A boia que Obama jogou, antecipando um movimento de Biden, seria uma saída. Bolsonaro no mínimo teria que trocar os ministros Ricardo Salles e Ernesto Araújo, discípulos do seu guru familiar Olavo de Carvalho, por gente mais sensata. A dúvida é se vai fazer isso ou seguir em uma aposta maluca agora solitária.
A conferir.