É simplesmente inacreditável que o governo Bolsonaro, na falta do que fazer – como se o Brasil não estivesse afundado em problemas -, gaste energia, dinheiro e tempo para criar polemica em torno de um filme bobo, lançado em 2017, portanto há 5 anos, e que não teve mínima repercussão até a tentativa de censura pelo ministério da Justiça. A confusão começou com um post publicado pelo deputado Eduardo Bolsonaro em suas redes sociais de uma cena do filme, editada, na qual o humorista Fábio Porchat, aparece fazendo uma proposta de cunho sexual a menores, que fogem correndo. A parte da fuga foi retirada.
Tudo bem que as eleições estão se aproximando e Bolsonaro precisa arrumar um jeito de reativar a militância nas redes sociais a seu favor. Mas poderiam pelo menos terem arrumado um assunto mais atual. Resgatar um filme lançado há cinco anos só prova que realmente o governo não tem nada pra mostrar e nenhuma bandeira para levantar aos seus eleitores. Serviu apenas para reforçar o viés autoritário do governo.
Por enquanto as determinações do Ministério da Justiça não deram em nada. A Netflix manteve o filme em sua plataforma, que agora está entre os três mais assistidos no Brasil. A polêmica aguçou o interesse pela comédia. E a Globoplay anunciou que não vai retira-lo por não aceitar censura. Mas os bolsonaristas continuam a criar confusão nas redes e no governo para chamar atenção e estimular os militantes evangélicos.
Afinal, ao longo dos últimos três anos Bolsonaro só decepcionou. Se elegeu comprometendo-se em acabar com o toma-lá-dá-cá da política e nunca se viu tantas trocas de favores, vide orçamento secreto.
Se lançou como o candidato antissistema, prometendo combater a chamada ‘velha política’, e agora tem como seus principais aliados Ciro Nogueira, Arthur Lira & Cia – a turma do Centrão. Os mesmos que estiveram envolvidos em todos os escândalos de nepotismo, clientelismo, desvios de recursos e outros males da República nas últimas três décadas.
Também garantiu que acabaria com a corrupção. O que se viu foi exatamente o contrário. Os réus da Lava Jato sendo inocentados um a um; a PGR se transformando em um puxadinho do Planalto e o desmantelamento dos órgãos de estado de combate à corrupção. Enfim, nenhum dos discursos de 2018 cabe mais na campanha deste ano.
Além de agitar a militância nas redes sociais, a polemica com o filme tem o objetivo de atacar os humoristas Danilo Gentili e Fábio Porchat, críticos ferrenhos do governo Bolsonaro. Gentili tem simpatia pela candidatura de Sérgio Moro, e na lógica torta dos bolsonaristas, esse episódio, assim como o do deputado Mamãe Falei, pode desgastar a imagem do ex-juiz, que vem se aproximando dos evangélicos. E Porchat declarou apoio a Ciro Gomes.
Outro viés importante dessa polemica é desviar a atenção da população para a incompetência do governo no combate à inflação, ao desemprego, no aumento do preço dos combustíveis e na posição de Bolsonaro de apoio à Rússia na guerra contra Ucrânia. Se não funcionar, o presidente volta a se internar em um hospital, resgata a facada de 2018 e tenta passar a imagem de mártir. Script mais que manjado. Só os incautos caem nessa conversa.
Se o governo Bolsonaro tivesse realmente interessado nas nossas crianças não teria criado tantos entraves para iniciar a vacinação contra a covid para faixa etária entre 5 e 11 anos. É sempre bom lembrar que Bolsonaro fez o possível e o impossível para impedir a vacinação desses menores. Aliás, ele trabalhou duro para atrapalhar a vacinação de todos os brasileiros e jamais lamentou sequer a morte de nenhuma das mais de 650 mil vítimas da covid-19.
E antes que algum bolsonarista de plantão me acuse de defender a pedofilia –por má-fé ou simplesmente por ter fugido das aulas de português na escola – quero deixar claro que não estou discutindo o mérito do filme- não vi e não tenho o menor interesse em assistir-, mas debatendo as táticas do governo e as suas prioridades em relação ao país.
Aproveito para sugerir ao Sr. presidente da República e à bancada evangélica, que ficaram tão horrorizados com um filme após cinco anos do seu lançamento, que ao invés de criar polemica nas redes sociais partam para uma ação mais efetiva e aprovem o PL 1776, em tramitação no Congresso desde 2015. A proposta inclui a pedofilia na lista de crimes hediondos, previstos na Lei 8072/1990.
É bom estrategistas do presidente avaliarem melhor suas táticas, elas não andam dando muito certo. Ao longo dos últimos três anos conseguiram resgatar a imagem do PT, completamente desgastada em 2018 pelos sucessivos escândalos de corrupção – mensalão e petrolão – fazendo de Lula em um adversário quase imbatível.
Agora, podem transformar Gentili em um Zelensky brasileiro, o humorista que virou presidente. O prazo para filiação partidária e afastamento da TV acaba dia 2 de abril.
Vai que o Gentili resolve seguir os passos do colega ucraniano…