A história é repleta de exemplos de governos que entram em parafuso e perdem o juízo. Quando a ex-presidente Dilma Rousseff saiu do prumo, o então líder do seu governo no Senado, Delcídio Amaral, fez o diagnóstico: “A presidente e o PT ainda não entenderam que são um saci pererê com Complexo de Centopeia”. Esse é um fenômeno universal. O desespero é mau conselheiro.
Quem agora está nessa ciranda é o presidente Jair Bolsonaro, seu clã e trupe. É impressionante como a queda de sua popularidade e o cerco das instituições a erros e crimes aceleram o processo de tiros no próprio pé. Se teve um tempo em que alguns setores importantes na sociedade, boa parte do PIB por exemplo, fingiam não ver, agora despertaram. Com a troca de guarda no comando dos Estados Unidos, as piruetas de Bolsonaro e sua trupe no enfrentamento da pandemia, no desmatamento da Amazônia e de outros biomas, as ameaças a democracia deixaram de ser folclóricas.
Há um basta mundo afora — entidades multinacionais, governos, instituições financeiras, investidores e opinião pública — às molecagens da gestão Bolsonaro. Foi traçada uma régua. Não dá mais para achar que todo mundo é trocha, aqui e lá fora, para acreditar em mentiras cada vez mais ridículas.
Bolsonaro está acuado. Insiste em blefes como um golpe militar, convocar o Exército para reprimir o combate a pandemia por quem o está fazendo, e articulações malucas para conseguir o controle das instituições. Esse jogo até aqui pode ter dado certo na Procuradoria-Geral da República, na Advocacia-Geral da República e, a conferir, na Polícia Federal. No Supremo, ainda não colou.
No Congresso, sua principal aposta, ele realmente tem alguma cobertura na Câmara. Mas a turma lá avalia que ele ainda é um estagiário no jogo de poder do dia a dia. No Senado, ele está órfão, o que aumenta o cacife do Arthur Lira no outro lado do tapete congressual, o que resulta no aumento no cacife de todos eles nas duas casas legislativas. Evidente que tem uma tropa ali em busca de vantagens, mas todos, fora os bolsonaristas de carteirinha, sabem do jogo errático do presidente.
É nesse contexto que Bolsonaro tenta enfrentar a CPI da Covid no Senado Federal. É impressionante a capacidade dele e sua turma fazerem gols contra. Primeiro, ele tentou, de maneira amadora, reverter o apoio de um número expressivo de senadores, pressionados por suas famílias e bases políticas, à CPI da Covid. Depois, ele seguiu numa sucessão de erros inacreditável.
Ao mesmo tempo em que ligava para o governador Renan Filho, de Alagoas, detonava em Brasília o pai dele, o senador Renan Calheiros, relator da CPI, cuja boa relação ambicionava. Ele joga uma carta e outra oposta na mesma aposta. Sua pau mandada Carla Zambelli chegou a conseguir com um juiz uma decisão tão incompetente do ponto de vista jurídico para a barrar a relatoria de Renan que, se não for cassada antes da reunião da CPI, será simplesmente ignorada pelo Senado Federal.
Mas os tiros no próprio pé seguem em sequência. No último fim de semana, o UOl divulgou uma relação de 23 supostas acusações ao governo federal durante a pandemia. A intenção era conseguir munição para se defenderem na CPI. Conseguiram um efeito contrário. Parlamentares de oposição e muita gente nas redes sociais batizaram essa relação como “sincericídeo” e “confissão de culpa”. O senador Randolfe Rodrigues, escalado para a vice-presidência da CPI, afirmou que, com alguns acréscimos, é uma boa pauta para as investigações da comissão.
A lista é enorme. Na semana passada, o ex-secretário de Comunicação da Presidência da República Fabio Wajngareten, figura carimbada no clã Bolsonaro e na galera do guru Olavo de Carvalho, em uma entrevista a Veja, disparou contra o desastrado Eduardo Pazuello, que no meio desse tiroteio, resolveu contrariar as regras e desfilar sem máscara em um shopping em Manaus. Pazuello continuou no sal, mas o tiro de Wajngarten acertou acertou também em Bolsonaro.
O maior problema, além de omissões e crimes a serem investigados, é que a população continua refém dessa gestão maluca. Em março, o Ministério da Saúde orientou o país a usar todas as vacinas disponíveis na primeira dose – o objetivo era mostrar que estava acelerando a retardada vacinação no país. Nessa segunda-feira (26), o atual ministro, Marcelo Queiroga, alertou que está faltando vacinas em vários lugares do país para a segunda dose. Nem precisa de comentário.
Essa é uma rara CPI que para chegar a resultados eficientes nem precisa apurar. Basta relatar as confissões do próprio governo Bolsonaro.
A conferir.