O Brasil continua o mesmo. A ação estabilizadora do vice-presidente da República, general Hamilton Mourão, em Bogotá, no Grupo de Lima, seguiu a tradição da política externa brasileira no continente: não intervenção nos assuntos políticos dos vizinhos e somente entrar em guerras ou conflitos armados para conquistar territórios. Com este padrão, o País, no século XIX, manteve-se isolado da América espanhola, com suas guerras civis sangrentas e ditadores cruéis e, no plano territorial, triplicou o legado que recebeu da burocracia portuguesa nos limites do Tratado de Tordesilhas.
As únicas guerras que não foram no sentido de conquistar terras, levadas a efeito pelo Brasil ao longo de seus 500 anos de História (no conceito acadêmico do que seja esta disciplina), foram a Guerra do Paraguai e a Segunda Guerra Mundial, ambos conflitos defensivos, respondendo a agressões, em legítima defesa. O Paraguai de Solano Lopez invadiu o Mato Grosso e, logo em seguida o Rio Grande do Sul, antes de o Império iniciar um tímido revide; a Alemanha e a Itália atacaram nosso litoral, afundando dezenas de navios e ameaçando toda a navegação costeira.
Se atacar, eu revido
Nos tempos da década de 1940, a liberdade dos mares era fundamental, pois todo o transporte de pessoas e mercadorias se fazia pela cabotagem. Daí a alta gravidade dos ataques.
Já o Paraguai ocupou fisicamente parte dos territórios mato-grossense e gaúcho, só se retirando à ponta de lança e pata de cavalo. Os alemães e italianos foram varridos do Atlântico Sul, perdendo 11 submarinos (nove alemães e três italianos) e alguns navios de superfície armados como corsários.
Fora esses dois episódios inescapáveis, todas as demais guerras tinham o motivo de garantir a soberania sobre territórios anteriormente tomados pelos colonos e incorporados informalmente aos domínios de seus centros geradores de geopolítica: São Paulo e Belém.
Os aventureiros paulistas e amazônicos chegaram à frente tanto da Coroa portuguesa quanto do governo do Rio de Janeiro, obrigando as metrópoles a consolidar tais avanços. Assim se fez o Brasil de quase nove milhões de quilômetros quadrados, a quinta nação territorial do Planeta, a partir de uma nesga de terras litorâneas.
Tradição pacifista
Portanto, quando o vice-presidente Mourão refuta a ideia de o Brasil mandar seus soldados para derrubar Nicolás Maduro não está fazendo mais do que seguir sua tradição. O que tinha para ganhar na Venezuela, o País já levou na partilha com os ingleses na planície do Essequibo, fronteira consolidada num tratado juridicamente perfeito, arbitrado pelo Rei da Itália.
Já com os outros donos daquele pedaço, o Suriname, a questão continua pendente até hoje e a Venezuela não se conforma de ter perdido todas aquelas terras, que correspondem, hoje, a mais da metade da soberania na antiga Guiana Inglesa.
Com o Brasil, a Venezuela não discute nem um centímetro de fronteira, tudo em paz. Então, como fez Mourão, nada temos a fazer naquelas paragens.
De Iguapé ao Acre
Desde a guerra do Iguapé (litoral Sul de São Paulo) contra os espanhóis, em 1534, até a conquista do Acre, em 1903, o Brasil travou inúmeras guerras de conquista, vencendo todas, o que se corrobora pelas suas dimensões atuais. Também houve muita diplomacia para dar segurança jurídica a essa formidável expansão (só os Estados Unidos podem se comparar ao Brasil neste quesito).
Neste entremeio foram 400 anos de conflitos: as chamadas guerras do Prata, a conquista do Centro-Oeste com expulsão dos espanhóis de Mato Grosso, a conquista da Amazônia, tudo sempre no sentido expansionista.
Consolidadas as conquistas, o Brasil converteu-se numa das nações mais pacíficas do mundo. Desde que não lhe pisem nos calcanhares, evidentemente.
Conhecedor da História e herdeiro cultural daqueles aventureiros, o general Mourão botou panos quentes no arroubo de seu conterrâneo Eduardo Araújo, que, ao lado do embaixador interino dos Estados Unidos, William Popp, e da representante do governo rebelde de Caracas, Maria Tereza Belandría, parecia estar abrindo caminho para a intervenção norte-americana. Não é verdade, o chanceler apenas tentava mandar ajuda humanitária para o país vizinho.