O Advogado do Diabo, filme de 1997 dirigido por Taylor Hackford, tornou-se um dos grandes clássicos do cinema do final do século passado. No filme, o grande Al Pacino interpreta John Milton, um advogado que é ninguém menos que o próprio Satanás. Keanu Reaves é Kevin Lomax, um jovem ambicioso que resolve ir trabalhar no luxuosíssimo escritório de Milton, o nosso diabo. John Milton é um desses famosos juristas que costumamos ver em sessões do Supremo defendendo políticos e empresários enrolados. Cobra caríssimo para livrar corruptos de colarinho branco da cadeia.
Durante o filme, Kevin Lomax vai ascendendo no escritório do diabo, ao mesmo tempo em que seu trabalho além do limite do que é correto e ético vai pesando na sua consciência. Até que se rebela e se livra das tentações do patrão satânico. No final do filme, está defendendo uma pessoa pobre, vítima de injustiça, em uma causa humanitária. Ao final do julgamento, que vence, ele é abordado por um repórter, que começa a incensá-lo com o intuito de transformá-lo em herói. Como não tem sentido evitar spoiler de um filme com 20 anos de idade, e até porque é o que vem a seguir que importa comentar no momento, lá vai. O repórter é, na verdade, nosso velho diabo disfarçado. Depois que entrevista o personagem de Keanu Reaves, ele transmuta-se para Al Pacino, que se vira para a plateia e diz a frase que se tornou célebre: “A vaidade é meu pecado preferido”.
A troca de mensagens de Telegran entre o ministro da Justiça, Sergio Moro, e o procurador da Lava Jato, Deltan Dallagnol, publicadas pelo site The Intercept, parecem reforçar a impressão do diabo de Al Pacino. A vaidade deve, de fato, ser o pecado preferido do demônio, dada a forma como ele coloca em risco mesmo o mais bem intencionado dos bem intencionados.
Muito vai se discutir daqui para a frente sobre os limites legais e éticos que tenham sido ultrapassados na troca de mensagens. E de outros trechos contendo novas e talvez mais graves ultrapassagens, dado que o site do jornalista americano Glenn Greenwald promete novas publicações. Independentemente, porém, do que venha a se concluir, o que as conversas já reforçam é a impressão de que o grande erro de Sérgio Moro na condução da Lava Jato parece ter sido mesmo sucumbir à vaidade.
No momento das conversas, Moro era ainda o juiz da Lava Jato às vésperas de fisgar seu peixe grande: o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Havia, e há, uma série de investigações contra o ex-presidente, algumas com indícios mais graves, outras com indícios menores. O primeiro caso a chegar à conclusão era o do tríplex no Guarujá que, segundo a acusação, lhe teria sido dado como propina pela empreiteira OAS. Ainda que sobre o caso haja uma série de dúvidas e questionamentos, é preciso lembrar que a condenação de Lula neste momento já foi confirmada por outros juízes e instâncias superiores a Moro.
Mas as conversas mostram como a expectativa da condenação excitava Moro e Dallagnol. O juiz, então, orienta ações dos procuradores, divide estratégias. Trabalha em conjunto para que não houvesse reveses no caminho da iminente condenação. Estabelece-se entre juiz e acusador um grau absolutamente indevido de promiscuidade, muito distante da imparcialidade que um juiz deve buscar. E, um parênteses: deveria buscar também o jornalista, só para deixar marcado aqui um ponto para o qual este jornalista não se cansa de insistir.
Após a condenação de Lula, Moro galga novo degrau na escalada da submissão à vaidade. Aceita ser ministro da Justiça de Jair Bolsonaro. Além do sentido de Justiça, parece prevalecer em Moro o seu próprio projeto político, algo que ele almejava ao partir na sua cruzada contra a corrupção na Lava Jato. Ser ministro do Supremo? Presidente da República?
Difícil saber até que ponto Moro foi enredado pelo pecado da vaidade. Mas os clássicos da literatura ou do cinema que falam sobre pecados contam sempre que há um preço a se pagar em um eventual pacto com o diabo. E que todo o sucesso obtido com tal pacto acaba, ao final, em arrependimento dos Faustos e outros personagens dessas histórias. Moro disse ter aceito ser ministro porque considerava que, no Executivo, poderia aprofundar a aprovação e utilização das ferramentas de combate à corrupção. Desde que entrou no governo, porém, ele muito mais coleciona dissabores que vitórias.
Seu projeto anticrime patina no Congresso. Claramente não são suas e ele torce o nariz para propostas como a que flexibiliza a porte e a posse de armas nos termos em que foi feita ou a que passa a mão na cabeça dos motoristas infratores.
A vaidade cobra seu preço. A vaidade, dizia o diabo de Al Pacino, é o seu pecado preferido…