André Gide e Samuel Weiner fazem falta. “Gide concebe um herói, o escritor Edouard, que lhe é muito próximo, e o contrapõe a Bernard Profitendieu, que a seu jeito é igualmente um personagem-modelo. Os moedeiros falsos não são, para Gide, apenas os jovens que escoam dinheiro fraudulento, mas os falsários no espírito e na letra, todos os que vivem na mentira de sentimentos falsos” (descrição da Amazon ao livro de André Gide “Moedeiros falsos”). Samuel Weiner descreve algo distinto, mas correlato, o funcionamento da imprensa nacional como instrumento de mercantilismo e venalidade.
Incrível. A CNN-Brasil é uma nova alternativa de jornalismo. Busca ocupar um espaço diferenciado entre a Globo e as outras. De alguma maneira aproxima-se em parte da Band, que mantém há mais de três décadas uma linha editorial própria, mais autônoma, sob a direção de Fernando Mitre.
A CNN, embora com uma identidade ainda não de todo definida, é claramente comprometida com a crítica. E a crítica mais crítica é aquela capaz de direcioná-la na busca da informação fidedigna e na exposição do contraditório, com autonomia, sem um viés de esquerda ou de direita, a priori.
A CNN e a equipe de William Waack iniciam uma linha editorial inovadora na análise política. Sem sombra de dúvidas, aquela empresa vem construindo um coletivo dos mais qualificados na crítica plural, sem os ranços legados de polarizações antigas e/ou falseadas, que costumam atravessar o trabalho dos profissionais da comunicação.
E não é que já aparecem os detratores da CNN Brasil, entre os quais o grande jornalista que é Ricardo Kotscho (facebook), ex-assessor de imprensa de Lula. Curiosamente, quando a crítica da CNN era dirigida mais enfaticamente e acertadamente contra Bolsonaro, palmas dos lulistas. Quando na CNN alguns de seus analistas criticam Lula, a comparam com a Jovem Pan. Uma maneira desprovida de lacrar uma agência televisiva em construção em nosso país, na medida em que a remete à condição de antro bolsonarista, pior, de jornalismo direcionado, ideologicamente. Kotscho conhece os meandros dos meios de comunicação.
Samuel Weiner em sua autobiografia (Minha razão de viver, 2005) confessou, sem excluir-se da má tradição, do caráter venal da mídia brasileira. Nosso grande Juca Chaves foi lapidar ao afirmar que:” A imprensa é muito séria, se pagar pode até publicar a verdade”. O “até: nos permite concluir que a mídia publica “narrativas” conforme o nível do interesse envolvido e os valores da remuneração. Sim, essa é a tendência dominante. Há sempre gente séria. Já tivemos jornais alternativos importantes, embora contingenciados na resistência à ditadura, “Pasquim” e “Movimento”, entre outros) e algumas revistas impactantes, despotencializadas em grande medida pelo part pris político, a exemplo daquelas criadas por Mini Varta, um bem sucedido empresário e jornalista.
Quando vemos Eduardo Moreira (ICL Notícias) e Pedro Cardoso (na CNN) denunciando o caráter empresarial do sistema de mídia, numa sucessão de generalidades e obviedades, o fazem em veículos de informação de abrangência nacional, ou seja, graças a elas. Ademais, a ideia de mídia como aparelho ideológico de Estado (Louis Althusser) diz parte da questão da produção das condições da produção. Outro marxista, Antônio Gramsci, avançou na análise das instituições nas sociedades modernas capitalistas, admitindo-as como lugares contraculturais nada negligenciáveis, mas imprescindíveis para a crítica e desconstrução do status quo. Aqui uma velha discussão sobre duas ideias de ideologia em Marx. Ideologia como alienação e ideologia como campo de lutas. Penso que a segunda é menos problemática.
Não acredito nos que asseguram, como Guilherme Ravache, numa tendência clara da direita apostando na Jovem Pan e a esquerda jogando todas as suas fichas na Globo, frustrando a CNN Brasil como terceira via, pressupostamente de centro. A Jovem Pan demitiu, após as eleições, quase todo os seus comentaristas bolsonaristas e vem maneirando no puxa-saquismo a Bolsonaro.
A CNN também vem se modificando, em busca talvez e, precisamente, de uma centralidade possível e aconselhada para um jornalismo capaz de resistir à polarização e ao que virou sinônimo de pós-verdade, às narrativas.
É de se indagar, para concluir, a quem serve nivelar por baixo a CNN-Brasil e Jovem Pan, ou reduzir todas as outras companhias televisivas a meras superestruturas ideológicas da sociedade burguesa…?